ATENDIMENTO AO CIDADÃO ATENDIMENTO AO CIDADÃO

A escola e o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente

Sobre o SGDCA e o papel da escola em situações de violência

 

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ
PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA
CENTROS DE ESTUDO E APERFEIÇOAMENTO FUNCIONAL
CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DA INFÂNCIA E JUVENTUDE

ELABORAÇÃO
Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAOIJ)

Coordenadora
Mônica Rei Moreira Freire
Promotora de Justiça

Patrícia de Fatima de Carvalho Araújo
Promotora de Justiça

Priscilla Tereza de Araújo Costa Moreira
Promotora de Justiça

Sabrina Mamede Napoleão Kalume
Promotora de Justiça

Assessora
Marina Tocantins

Pedagoga
Diana Barbosa Gomes Braga

Apoio Administrativo
Lucas Paolelli

Estagiários
José Levy da Costa
Josiane Ataide
Lana de Castro Souza
Virginia Mei Tsuruzaki Shinkai

Estagiária de nível médio
Jackline Sousa Trindade

 

RESUMO: Enquanto ambientes de formação, as escolas devem ser compreendidas como espaços de defesa e de garantia de direitos, que possuem um papel fundamental na rede de proteção dos direitos da criança e do adolescente.

Palavras-chave: Escola, Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, Rede de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Estatuto da Criança e do Adolescente, Dia da Escola, Educação e Ensino, Violência na escola, Comunicação e notificação de violência pela escola.

 

1. INTRODUÇÃO

Em 15 de março é comemorado o Dia Nacional da Escola, visando celebrar uma das mais antigas e importantes instituições do país que desde sua concepção é capaz possibilitar emancipação social através do acesso à educação. Por essa razão, o Congresso Nacional inseriu a data no calendário brasileiro, com o objetivo não apenas de fazer alusão ao ambiente em si, mas também, a fim de reconhecer o espaço escolar como fonte de conhecimento, do incentivo à cultura, da possibilidade acesso ao ambiente laboral, através da educação.

As mudanças sociais exigem que a escola se modernize, seja no aspecto das relações interpessoais, sejam nos recursos didáticos-pedagógicos, mas sobretudo, na consolidação dos direitos sociais, no aprimoramento do conhecimento das leis garantidoras, que estão relacionadas ao processo de cidadania, agregação de valores, uma vez que é o principal espaço de convívio social para crianças e adolescentes após o ambiente familiar.

Nos últimos 30 (trinta) anos, o Direito à Educação ganhou relevante destaque no ordenamento jurídico brasileiro, sendo consagrado como direito fundamental de acesso universal pela Constituição Federal de 1988 (CF/88) e pelas legislações infraconstitucionais, entre elas, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), garantindo à todas as pessoas, independente da sua classe social, raça, gênero, sexualidade, origem ética ou deficiência, o acesso a uma educação escolar de qualidade e sua permanência com sucesso, buscando diminuir as desigualdades históricas existentes.

Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. (Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 26, § 1º)

De acordo com o texto constitucional, a educação escolar é um direito de todas as pessoas e um dever do Estado, que busca garantir o pleno desenvolvimento da pessoa para o exercício da cidadania, bem como, sua qualificação para o trabalho (art. 205, CF/88).

O Estado deve assegurar atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica: educação infantil (creche, pré-escola), ensino fundamental e médio, no caso, a educação básica obrigatória e gratuita dos 04 a 17 anos de idade; educação infantil às crianças de 0 até 05 anos de idade; o atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino; acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que não os concluíram na idade própria.

Outrossim, é responsabilidade da União, dos Estado, do Distrito Federal e dos Municípios, em razão do princípio da cooperação técnica e financeira, promover a educação, que deve ser incentivada com a colaboração da sociedade, que deve estar atenta e cobrar dos gestores a efetividade nas políticas públicas voltadas a garantir o direito à educação.

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. § 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; § 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil; § 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.1

A educação, portanto, é um direito constitucionalmente assegurado a todos, inerente à dignidade da pessoa humana, razão pela qual, o Estado tem o dever de prover condições indispensáveis ao seu pleno exercício, contudo, em que pese a legislação garantidora, muito há de se avançar para efetivação desse direito, tanto no que se refere qualidade da educação, quanto na infraestrutura das escolas.

No Estado do Pará, segundo o Censo do INEP (2021) existem aproximadamente 17.208 escolas distribuídas em 144 municípios do estado, porém, conforme dados divulgados pelo MEC, registrou 3,4 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) 2019 do ensino médio, ficando na 26ª posição no ranking nacional, na frente apenas do Amapá.

Para além da aferição da média adotada para análise de aprendizagem, deve-se considerar os indicadores educacionais que impactam no processo de avaliação do SAEB, isto é, a aprovação, a repetência e a evasão escolar. Tais indicadores também se relacionam com os recursos públicos que são repassados às escolas nos conselhos escolares. Quando há adimplência, mais recursos são destinados a instituição de ensino, quando ocorre o contrário, a escola deixa de receber investimentos que melhorem o espaço escolar e possibilitam a permanência com sucesso do aluno na escola.

Esse espaço de promoção do saber, faz parte da rede de proteção, acompanhando o processo educacional como um todo, devendo ter como diretriz a busca constante do ensino de qualidade, e como espaço de cidadania que é, tornar-se palco para discutir direitos humanos transversalizados em seus ensinamentos, gerando como base, uma educação que protege.

Segundo o Anuário de Segurança Pública de 2021: “é possível afirmar que, em 2020, foram registrados, pelo menos 46.289 estupros de vítimas entre 0 e 19 anos. Destas, ao menos 5.140 tinham entre 0 e 4 anos”, são crianças e adolescentes em idade escolar, em sua grande maioria, matriculadas e frequentando a escola.

Conforme destacado, a escola compõe a Rede de Proteção de Crianças e Adolescentes e, possui um relevante papel na garantia dos direitos infantojuvenis, sendo responsável por manter uma atitude de constante observância sob seus alunos e, quando detectada qualquer tipo de violência, deverá adotar as medidas necessárias para fazer cessar a violação de direitos, realizando os encaminhamentos necessários aos demais órgãos competentes, para que sejam adotadas as medidas capazes de salvaguardar a criança/adolescente em situação de risco.

Outrossim, via de regra, a escola tem dificuldades em notificar a violência perpetrada contra seus alunos, temendo represálias de pais ou responsáveis e da comunidade intra e extraescolar. Na formação dos profissionais de educação (professores, pedagogos) e profissionais de apoio escolar (porteiro, vigia, merendeira e servente) há um desconhecimento do ECA, que acabam por não compreender o público-alvo da escola como cidadão de direitos e de proteção, o que leva a resistência ou atitudes equivocadas.

A escola deve buscar atuar sempre de forma preventiva, apoiando seus estudantes e envolvendo-os nos espaços de democracia participativa, com base na reflexão crítica sobre a importância da educação, onde se discuta com a comunidade escolar a importância do respeito, da consciência de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos autônomos, e dos cuidados e proteção que lhes são necessários nessa fase de formação.

Outrossim, os demais equipamentos da Rede, como saúde e assistência, também devem ser inseridos no cotidiano escolar, a fim de reforçar as relações, fortalecer o território, aumentar o diálogo, bem como realizar encaminhamentos adequados.

Com isso, o Ministério Público do Estado do Pará (MPE), como órgão garantidor dos direitos infantojuvenis, por meio deste Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAOIJ), produziu esta síntese, para incentivar o debate em torno do relevante papel da escola, como agente da Rede de Proteção e seu dever de promover os direitos infantojuvenis à educação e a obrigatoriedade do estabelecimento de ensino de comunicar à autoridade competente os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos e abusos contra criança ou adolescente.

2. CONTEXTO HISTÓRICO

No contexto brasileiro, a política pública é entendida como a soma de ações desencadeadas pelo Estado em escala federal, estadual e municipal, objetivando o atendimento de determinados setores da sociedade civil. Além disso, elas podem ser desenvolvidas em parcerias com organizações não governamentais ou, até mesmo, com a iniciativa privada.

Assim, a compreensão de uma escola como elemento integrador da rede de proteção, surge no início da década de 1970, com movimentos de mudança, que visavam a reformulação na política de atenção à criança. Tais movimentos acompanharam o momento de abertura política dos anos de 1980, que se estabeleceu com a aprovação da nova CF/88 e levou à elaboração do artigo 227, que trata da consagração a doutrina da proteção integral e que resultou na elaboração do ECA publicado em 1990.

Nesse sentido, a Lei destaca que as crianças e os adolescentes devem estar a salvo de qualquer forma de violência, negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão e estabelece como dever da família, da sociedade e do Estado garantir os direitos da criança e do adolescente à vida, à saúde, à alimentação, ao lazer, à cultura, à profissionalização, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária e, finalmente, à educação.

Outrossim, a educação é um direito de todos e dever, tanto do Estado, quanto da família, que busca garantir a formação plena da pessoa para o exercício da cidadania e transformação da sociedade, sendo a escola, o principal espaço de convivência social após a família, logo, deve ter como finalidade o desenvolvimento integral das crianças e adolescentes, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, de modo a complementar a ação da família e da comunidade.


3. SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS

O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) decorre das diretrizes da CF/88 e do ECA, que visa garantir os direitos universais a todas as crianças e adolescentes, bem como, a proteção especial para aquelas que foram ameaçadas ou violadas em seus direitos.

O SGDCA é composto pelo Sistema de Saúde (SUS), Sistema de Educação (SE), Sistema de Assistência Social (SUAS), Sistema de Segurança Pública (SSP) e Sistema de Justiça (SJ) e, de acordo com a publicação: “A Escola na Rede de Proteção dos Direitos da Criança e Adolescente”2, o SGDCA é responsável por colocar todas as crianças e adolescentes a salvo de todas as formas de violações de direitos e garantir a apuração e sua reparação, para tanto, está estruturado em três eixos: promoção, defesa e controle.

O eixo da promoção corresponde às políticas sociais básicas e sua implementação, ao atendimento direto de crianças e adolescentes e tem como responsáveis os agentes sociais e os órgãos (entidades públicas e privadas) que formulam e executam a política pública nas áreas da educação, saúde, assistência social, cultura etc.

No eixo da promoção, atuam também os conselhos de deliberação sobre as diretrizes da política, como os Conselhos de Direitos das Crianças e Adolescentes, a nível municipal (CMDCA), estadual (CONDECA) e nacional (CONANDA). Esses organismos, compostos de membros do Estado e por representantes da sociedade civil, tem como função basilar, promover as políticas de proteção integral a crianças e adolescentes.

O eixo da defesa de direitos é formado pelo conjunto de órgãos do poder público (Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Secretaria de Segurança Pública) e da sociedade civil (Conselho Tutelar (CT), Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) e busca assegurar o cumprimento e a exigibilidade dos direitos estabelecidos nas legislações, bem como, responsabilizar judicial, administrativa ou social os violadores dos direitos infantojuvenis.

O eixo de controle, é composto por instituições da sociedade civil que fiscalizam o cumprimento da legislação vigente e das ações propostas no eixo da promoção de direitos. Essas organizações (Fóruns de Defesa das Crianças e Adolescentes, Fórum da Educação, por exemplo) tem um papel mobilizador, reivindicativo, informativo e educativo em prol dos direitos de crianças e adolescentes e de informação a população.

O Brasil tem uma legislação considerada das mais avançadas do mundo com relação a garantia dos direitos de crianças e adolescentes, porém, muitos desses direitos, estão apenas disciplinados no texto legal e a junção dos três eixos citados acima e o trabalho articulados desses órgãos, organismos e instituições, buscam efetivar os direitos previstos nos textos normativos que disciplinam a infância e juventude, inclusive, o que concerne à educação.

4. A ESCOLA COMO REDE DE PROTEÇÃO


Conforme amplamente exposto, a Rede de Proteção envolve ação de várias instituições, governamentais e da sociedade civil, direcionadas ao desenvolvimento de estratégias para a prevenção, atendimento e fomento de políticas públicas para crianças e adolescentes.

A escola possui um relevante papel na Rede de Proteção, sendo responsável por observar, acolher e manter uma atitude de constante vigilância sob seus alunos, e quando detectar casos de violação de direitos, deverá adotar as providências necessárias para fazer cessar qualquer tipo de abuso, realizando os encaminhamentos cabíveis aos demais órgãos, para que sejam adotadas as medidas capazes de salvaguardar a criança e adolescente em situação de risco. Sempre buscando atuar de forma preventiva, oferecendo todo suporte aos seus estudantes, envolvendo-os em debate crítico sobre a importância da educação e a consequência das faltas e da evasão escolar no seu crescimento pessoal e projeto de vida.

A maioria das violências físicas, psicológicas e abusos sexuais acontece de forma intrafamiliar e, em determinadas situações, há conivência dos responsáveis pela criança e adolescente, o que impede as consequências legais ao abusador bem como a interrupção do ciclo de violência. A escola é um lugar onde a criança estabelece relações de confiança e afetividade. Por essa razão é preciso ter sensibilidade, um olhar atento do educador, que ao reconhecer sinais de que o aluno está sofrendo violências, busque ajuda especializada, notificando o caso as autoridades competentes.

5. O PAPEL DA ESCOLA EM SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA

Inicialmente, a escola deve ser compreendida como espaço de defesa e garantia de direitos e, todos os seus agentes (professores, funcionários, diretores, coordenadores, orientadores pedagógicos, técnicos e profissionais de apoio) devem estar alinhados nesse propósito, bem como, da importância de suas atividades na vida de seus alunos.

Os profissionais da educação devem estar aptos e capacitados para atuar em prevenção, atenção e reinserção social e educacional de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e de todas as formas de violências, física, psicológica e sexual, situações de negligência e abandono, bem como a exploração do trabalho infantil.

Na maioria dos casos, a criança quando é vítima de violência, seja qual for, apresenta sinais, mudança no seu comportamento, até mesmo vestígios das agressões.

Ao detectar situações de violência, seja pelas razões acimas expostas ou, até mesmo, pela revelação espontânea da criança e adolescente, a escola deve estar apta para de forma rápida e eficaz acionar a rede de proteção e fazer cessar a situação de violação de direitos a que ela está sendo submetida.

Inicialmente, ao ser detectada a situação de violência, a escola que possuir psicólogo em seu corpo técnico (profissional este previsto na LDB), deve encaminhar o aluno para o atendimento com esse profissional, que possui expertise para conduzir a conversa. Contudo, caso não haja, o próprio professor que percebeu os sinais de violência ou, que foi procurado pelo aluno para o pedido de socorro, que deverá comunicar a direção acerca do que visualizou ou escutou da criança ou adolescente, não só por dever legal, mas principalmente, pelo dever moral e humanitário, que ao se tornar um agente da comunidade escolar, assumiu o compromisso em exercê-lo.

É importante explicar ao aluno, que a abordagem adotada busca ajudá-lo, e que aquele comunicado, ensejará desdobramentos para que a situação possa ser investigada e os culpados responsabilizados. Informar que a escola estará junto com ele, oferecendo todo suporte necessária para lidar com a situação de violação, para que não seja surpreendido com ações dos demais agentes da rede de proteção e, não se sinta traído.

Destarte, deve ser permitida a participação do aluno nas tomadas de decisões do seu caso concreto, bem como, o passo-a-passo da denúncia, com o esclarecimento das implicações de cada um deles, sempre levando em consideração a faixa etária e as condições psicológicas.

Cumpre destacar, que o objetivo da conversa entre o professor e aluno, não é avaliar se houve ou não maus-tratos ou abuso, muito menos investigar provas de sua ocorrência. Essa conversa deve ocorrer em um espaço seguro, livre de interferências externas e sempre com discrição, sem que haja pressão para que a criança fale ou, que sejam realizadas perguntas invasivas.

A família da criança ou do adolescente deve ser acionada, preferencialmente, pela direção da escola, através de alguém da confiança da criança ou adolescente e, não aquele que realizou a violência.

Outrossim, caso não seja possível identificar um familiar de referência, e o agressor seja alguém muito próximo da criança ou adolescente, a escola deve avaliar, a possibilidade de dirigir-se diretamente as autoridades, a fim de evitar que a família interfira nas investigações ou, coloque a criança em riscos ainda maiores.3

Destarte, é de suma importância que durante todo esse processo, o educador notificante, receba todo suporte da direção da escola, para realizar o procedimento devido, seja do ponto de vista prático, como também emocional.

6. COMO PROCEDER COM AS NOTIFICAÇÕES E PARA ONDE ENCAMINHÁ-LAS?

As comunicações poderão ser efetuadas aos órgãos competentes de quatro maneiras: por telefone, por escrito, em visita a um órgão competente, ou por solicitação da própria escola.

Deve-se sempre buscar a comunicação mais efetiva, daí a importância de que as escolas construam um fluxo, um padrão de atendimento nos casos de detecção de violência, que sirva de base para os professores, equipe técnica e diretores da escola utilizarem ao realizar a notificação.

A escola deve buscar as formas mais eficazes de notificação, com o encaminhamento formal dos fatos aos quais teve ciência, aos órgãos competentes: CT, Delegacias especializadas, Ministério Público e ou Poder judiciário.

O denunciante deverá encaminhar a notificação via ofício ao CT, realizar registro na delegacia ou, até mesmo, dependendo da situação emergencial, dirigir-se sozinho ou acompanhado da criança ou adolescente vítima ao órgão responsável pelo registro e apuração do fato ocorrido. A direção pode acionar o CT, solicitando que compareça a escola para ser cientificado da suspeita ou ocorrência de abuso.

É importante que a direção da escola assuma conjuntamente com o professor, a notificação por escrito ou, a visita ao órgão responsável, de preferência, acompanhado de membros da família que não compactuam com o abuso e que possam dar seguimento aos encaminhamentos da criança ou adolescente aos serviços assistenciais, médico e psicológico, quando esses se fizerem necessários. Havendo justificativa, poder-se-á pedir sigilo quanto a identidade do denunciante.

É oportuno que se inicie a comunicação da violência por aqueles órgãos que tem poder para aplicar medidas protetivas, como o CT, bem como, os com poderes de investigação, no caso a polícia judiciária. Outrossim, quando for realizada a notificação e nenhuma providência for adotada pelas autoridades contactadas, o Ministério Público deverá ser acionado.

7. NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA

A obrigatoriedade de comunicação de abuso e maus-tratos ao CT está previsto no artigo 13 do ECA:

Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.4

Na mesma toada, dispõe o artigo 56, inciso I: Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de: I - maus-tratos envolvendo seus alunos. 

Assim, caso um educador perceba reiteração de faltas sem motivo, machucados, instabilidade de humor, relatos ou conversas que dão pistas, sintomas de depressão, comportamentos que provavelmente, indiquem que aquele aluno está sendo vítima de violações de direito, deve comunicar a direção da escola e aos órgãos competentes. A notificação é obrigatória e a responsabilidade do profissional de educação é intransferível e pode ser legalmente cobrada, conforme art. 245, do ECA, sob pena de responder por infração administrativa:

Art. 245. Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente: Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

Da mesma forma, dispõe o art. 11, do Decreto nº. 9.603/2018, que estabelece o SGDCA vítima ou testemunha de violência:

Art. 11. Na hipótese de o profissional da educação identificar ou a criança ou adolescente revelar atos de violência, inclusive no ambiente escolar, ele deverá: I - acolher a criança ou o adolescente; II - informar à criança ou ao adolescente, ou ao responsável ou à pessoa de referência, sobre direitos, procedimentos de comunicação à autoridade policial e ao conselho tutelar; III - encaminhar a criança ou o adolescente, quando couber, para atendimento emergencial em órgão do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência; e IV - comunicar o Conselho Tutelar. Parágrafo único. As redes de ensino deverão contribuir para o enfrentamento das vulnerabilidades que possam comprometer o pleno desenvolvimento escolar de crianças e adolescentes por meio da implementação de programas de prevenção à violência.

O professor e o responsável pelo estabelecimento de ensino, assumem a posição de vigilância, sempre atentos para indícios de violências, contudo, não exige que esses profissionais instalem uma sindicância ou uma investigação minuciosa a respeito da possível prática de crimes contra criança, não são responsáveis pela investigação do crime, basta que realizem a comunicação de forma eficaz.

Destarte, após realizada a notificação, caberá a autoridade competente deflagrar o rito procedimental de investigação, processamento, apuração e julgamento do fato praticado contra a criança ou adolescente, sendo a escola um agente notificante e não denunciante ou investigador.

Muitos professores ainda se sentem inseguros em notificar situações de violência, temendo serem responsabilizados em caso de não condenação nas vias judiciais, temem ser responsabilizados de alguma forma pelo suposto autor ou pela família, caso não se confirme o crime ou o autor, por qualquer razão, venha ser absolvido, o que é um equívoco.

A notificação realizada pelo educador é apenas comunicação inicial, para que os órgãos que possuem atribuição investiguem o fato, bem como, adotem as medidas protetivas capazes de fazer cessar a possível situação de violência.
Outrossim, visando ilustrar a escola como órgão da Rede de Proteção, a experiência exitosa da Profa. Wanessa Grangeiro e da psicóloga Olga Morais, que foram procuradas por uma aluna que revelou de forma espontânea o abuso, sendo imediatamente acionada a Rede de Proteção, primeiramente pelo Conselho Tutelar e posteriormente pelo Ministério Público, o que permitiu a apuração dos fatos, a interrupção do ciclo de violência, a aplicação de medidas protetivas, retirando a vítima da situação de risco e a condenação penal do abusador.

8. EXPERIÊNCIA EXITOSA EM ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO NO ESTADO DO PARÁ

É preciso perceber o ECA na escola como mais um instrumento pedagógico, que subsidia o direito educacional na ação escolar, na proteção da criança e do adolescente quando este se encontra em vulnerabilidade e em risco. A efetividade das ações dos direitos da criança e do adolescente perpassa na educação e na formação do educando, em que a escola é o local formador e de construção de valores. Perceber o comportamento do aluno é um ponto de partida do olhar atento do professor em sala de aula, mesmo na etapa final da educação básica, o ensino médio, que em via de regra o docente convive com um número diverso de alunos e turmas.

Para a equipe multidisciplinar seja o aluno muito quieto, que se compreende introvertido, que não é a timidez, ou o outro extremo, extrovertido, que não é uma alegria, mas sim uma euforia, podem ser elementos comportamentais que requerem atenção. Além disso, a dificuldade de aprendizagem, a insegurança, o medo de contato, a agressividade são alguns sinais que podem auxiliar a equipe multidisciplinar a identificar situações de risco e vulnerabilidade na escola e fortalecê-la como equipamento da rede de proteção.

Foi por meio do comportamento de uma aluna que ora chorava em sala, ora apresentava indisciplina que foi realizado o encaminhamento ao atendimento pedagógico e psicológico na escola. À medida que os atendimentos eram realizados se estabeleceu um vínculo de confiança com a aluna que narrou à situação de violência sofrida.

Algumas dificuldades foram encontradas para garantir a proteção da adolescente, principalmente no aspecto familiar. Diferente doutros casos em que os alunos narram situações semelhantes, em via de regra a genitora desconhece os fatos, mas embora informada pela escola, a responsável quis gerar descredito no trabalho realizado pela equipe multidisciplinar assim como desencorajou a adolescente a continuar com os atendimentos e passou a responsabilizá-la pelos conflitos com o abusador em âmbito familiar.

No decorrer dos atendimentos, a vítima do abuso, relatou que essa situação já havia sido comunicada noutra instituição de ensino, que na época a responsável legal em busca de omitir o fato, a transferiu de escola. Naquele período houve idas e vindas do agressor à convivência doméstica, sem providências relativas à segurança da adolescente.

Em virtude do relato, a equipe multidisciplinar inicialmente buscou o Conselho Tutelar, fez a notificação. Contudo, o corpo técnico da escola, apesar de acionado o CT, durante o acompanhamento da demanda, percebeu que não foram aplicadas medidas eficazes para fazer cessar aquela violação de direitos e que, a criança continuava sendo vítima do abusador, razão pela qual, a escola procurou a Promotoria da Infância e da Juventude de Belém, visando garantir a integridade da sua aluna, bem como, garantir a efetividade da sua notificação no que concerne a retirada da aluna da situação de risco.

No caso em tela, ficou nítido o compromisso dos educadores com a integridade de seus alunos, a importância da escola como integrante da Rede de Proteção, bem como a dedicação do corpo técnico em acompanhar os desdobramentos da notificação e, ao perceber que não obtiverá êxito, buscou um novo agente para garantir os direitos daquela aluna. A escola não se limitou a “notificar” no sentido de elaboração de um mero documento, conforme demostrado anteriormente, ela continuou acompanhando a situação, dando suporte a sua aluna, na medida que percebeu, que a situação fática era a mesma, novamente entrou em ação para preservar a criança. “Não se trata apenas de observar as marcas físicas, mas as questões emocionais e psicológicas dos alunos, por essa razão consideram que um ambiente de acolhimento é fundamental na escola”.

No início do ano as escolas precisam de na Semana Pedagógica falar sobre o ECA com os professores na formação continuada. Ainda há um grande desconhecimento dessa Lei. Professores e demais agentes de educação que atuam nas instituições de ensino podem vir a ser negligentes na identificação e no encaminhamento com sigilo sobre a situação identificada. O mesmo vale para a relação professor-aluno nas escolas, pôr o limite, não o distanciamento.

Assim como a proteção da identidade de crianças e adolescentes vítimas de violência deve ser um compromisso ético profissional, como também o planejamento de atividades na escola que orientem as crianças e adolescentes no combate ao abuso sexual. Aliás, o tema precisa ser discutido em todos os campos de saberes das áreas de conhecimento, a matemática, a biologia, a sociologia, pode trabalhar esse tema, dessa maneira, a escola se fortalece enquanto equipamento de proteção. Realizar encontros com demais profissionais e promover diálogos com outros equipamentos subsidia a prática e dá mais segurança nas atividades com as crianças e adolescentes.

As reuniões com pais e responsáveis também precisa tratar de questões que envolvam as crianças e adolescentes, não apenas sobre as notas. Por essa razão é fundamental conhecer a família do aluno, mostrar que a escola é um equipamento de proteção, não só de educação literal, em que a família pode contar para juntos protegê-los.

9. CONCLUSÃO

Conforme amplamente demostrado, a escola possui um relevante papel na Rede de Proteção, tendo em vista que é o segundo maior espaço de convivência das crianças e adolescentes. Em números, o aluno passa de 04 a 08 horas, de segunda à sexta, 220 dias por ano, portanto, há um grupo de pessoas nesse espaço que podem colaborar com sua proteção, seja por dever legal, ético, moral e, principalmente, humanitário.

Considerando que a grande maioria das violências físicas, psicológicas e abusos sexuais acontece de forma intrafamiliar e, em determinadas situações, há conivência dos responsáveis pela criança ou adolescente, a escola emerge como uma espécie de segundo lar, um espaço de confiança, ao qual a vítima pode socorrer-se.

Na maioria das vezes, a escola é o único espaço capaz de dar voz a uma vítima de violência, a conivência dos familiares, seja por temor do abusador, seja por dependência emocional, financeira, acentua a vulnerabilidade daquela criança, que precisa de um ambiente seguro, encontrando na escola esse lugar. Para que o socorro seja efetivo, é de suma importância, que o educador receba capacitação, esteja atento para reconhecer os sinais de violações, as mudanças de comportamento que apontem que a criança vem sofrendo violência, saiba ouvir e se sinta seguro para fazer a notificação, acionando a rede de proteção.

O legislador instituiu no art. 245 do ECA a obrigatoriedade de notificar, porque é extremamente violador que a revelação de uma violência sofrida, seja comunicada, como um verdadeiro pedido de socorro e acabe permanecendo silente entre a criança ou adolescente e o educador. Fechando-se assim a porta para a interrupção do ciclo de violações de direito.

Trabalhar o tema da infância e da juventude na escola e as situações correlatas à temática é de suma importância. Desenvolver projetos, aproximar-se de ações desenvolvidas por outros atores da rede, sempre acresce na defesa e garantia de direitos infantojuvenis. A escola é um espaço que transforma a vida, ninguém passa por ela em vão. Interromper o ciclo de violência é responsabilidade de todos.

As ações adotadas nos casos de violência intrafamiliar, sofrida por um aluno merece especial atenção e cuidado, tendo em vista que não se restringe ao afastamento do agressor do lar e sua consequente responsabilização, mas busca-se possibilitar novo capítulo da vida de uma criança ou adolescente. A escola emerge como espaço de transformação, de pessoas que cumprem o art. 227 do CF/88, sempre na busca por uma educação que protege.

Para subsidiar sua atuação na matéria, segue no link abaixo, os seguintes materiais:

1- A Escola na Rede de Proteção dos Direitos de crianças e adolescentes;

2- Guia Rede de Proteção;

3- Guia Escolar – Rede de Proteção;

4- Recomendação do MP para educação sobre o papel da escola como rede e a importância da notificação; e

5- Modelo de notificação efetuado pelas escolas aos órgãos competentes.

CLIQUE AQUI

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1 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 14 mar. 2022.

2 ACÃO EDUCATIVA. Guia A Escola na Rede de Proteção dos Direitos de Crianças e Adolescentes. Disponível em: https://acaoeducativa.org.br/publicacoes/guia-a-escola-na-rede-de-protecao-dos-direitos-de-criancas-e-adolescentes/. Acesso em: 14 mar. 2022.

3 MATUOKA, Ingrid. Meu aluno é vítima de violência. O que eu faço? Disponível em: https://educacaointegral.org.br/reportagens/meu-aluno-e-vitima-de-violencia-o-que-eu-faco/ Acesso em: 14 mar. 2022.

4 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [1990]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 14 mar. 2022.

5 BRASIL. Decreto nº 9.603, de 10 de dezembro de 2018. Regulamenta a Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Brasília, DF: Presidência da República, [1985]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9603.htm. Acesso em: 14 mar. 2022.