Do abuso e da Violência Sexual de Crianças e Adolescentes: Medidas de combate e a importância da Conscientização Social

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ
CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DA INFÂNCIA E JUVENTUDE
DIA NACIONAL DE COMBATE AO ABUSO E À EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Belém-Pa
2022
ELABORAÇÃO
Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAOIJ)
Coordenadora
Mônica Rei Moreira Freire
Promotora de Justiça
Patrícia de Fatima de Carvalho Araújo
Promotora de Justiça
Priscilla Tereza de Araújo Costa Moreira
Promotora de Justiça
Sabrina Mamede Napoleão Kalume
Promotora de Justiça
Assessora
Marina Tocantins
Apoio Administrativo
Lucas Paolelli
Estagiários
José Levy da Costa
Josiane Ataide
Lana de Castro Souza
Virginia Mei Tsuruzaki Shinkai
Estagiárias de nível médio
Jackline Sousa Trindade
Viviana Pereira
RESUMO: A proteção e a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes é um princípio de notória importância no ordenamento jurídico, sendo o combate ao abuso e à violência sexual de crianças e de adolescentes uma medida que deve ser apreciada e incentivada pelas entidades públicas, a fim de conscientizar a sociedade e aprimorar o atendimento das vítimas.
Palavras-chave: Lei Federal n° 9.970/20200, Lei Estadual n° 8.618/2018 – PA, Lei 13.431/2017, Abuso sexual, Exploração Sexual, Violência sexual contra crianças e adolescentes, Navegue Não Naufrague, Criança, Adolescente, Estatuto da Criança e do Adolescente, Crime de pornografia infantil nos meios digitais, Escuta especializada e depoimento especial, Subnotificação, Crime de estupro de vulnerável, 18 de maio, Maio Laranja.
APRESENTAÇÃO
O dia 18 de maio, foi instituído Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, a data foi escolhida em alusão ao “Caso Araceli”, ocorrido em 1973, no qual uma criança de oito anos de idade, chamada Araceli Cabrera Sanches foi sequestrada, drogada, espancada, estuprada e morta. Na época, foram identificados três autores, dois deles, membros de uma tradicional família capixaba, apesar de denunciados, o processo foi anulado e encerrado sem punição.
Em 1998, cerca de 80 entidades públicas e privadas, reuniram-se na Bahia para o 1º encontro do ECPAT no Brasil, organizado pelo Centro de Defesa de Crianças e Adolescentes (CEDECA/BA), representante oficial da organização no Brasil, que internacionalmente luta pelo fim da exploração sexual de crianças, pornografia e tráfico para fins sexuais. O encontro assegurou a participação de entidades de todo o país, oportunidade em que foi estabelecido o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual Infantojuvenil, que foi inserido no calendário nacional por meio da Lei Federal n.º 9.970/2000.
No Estado do Pará, em abril de 2018, foi instituído o “Maio Laranja”, através da Lei n.º 8.618/2018, período dedicado a realização de campanhas de prevenção, orientação para o combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, visando mobilizar toda a Rede de Proteção, bem como, avaliar os avanços e as principais deficiências no atendimento ao público infantojuvenil.
Com isso, o Ministério Público do Estado do Pará, em compasso com a lei e como órgão garantidor dos direitos infantojuvenis, por meio deste Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAOIJ), produziu esta síntese, para incentivar a realização de atividades alusivas em seu município, visando conscientizar a sociedade e as autoridades locais bem como incentivar ações preventivas ao combate do abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes, a fim de que tornem-se rotineiras e com isso, seja aprimorado o atendimento as vítimas, com efetivação de serviços e protocolos, fazendo que a mobilização que, via de regra, ocorre no dia 18 de maio, seja assegurada durante o ano todo.
1 VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
A violência, de qualquer tipo, contra a criança e adolescentes decorre da relação de poder na qual estão presentes e se confrontam atores/forças com pesos/poderes desiguais e pode ser praticada mediante negligência, violência física, psicológica e sexual, envolvendo causas sociais, culturais, ambientais, econômicas e políticas, aliadas a pouca visibilidade e a impunidade.
Apesar de atingir todas as classes sociais, apresenta-se com mais frequência nas classes economicamente mais desfavorecidas, devido as condições precárias de sobrevivência, causadas pela má distribuição da renda, a aceleração do processo de urbanização, a migração, a pobreza e a ineficácia das políticas sociais.
Uma das piores formas de violações de direito que pode ser perpetrada contra crianças e adolescentes, é a violência sexual, capaz de provocar sérios danos físicos, emocionais e sociais nas vítimas, principalmente, quanto ao estabelecimento de laços de confiança, visto que, a maior incidência de abusos ocorre dentro da relação intrafamiliar.
As consequências imediatas, além das físicas, são caracterizadas pelo estresse pós-traumático, os distúrbios emocionais, aumento do risco de envolvimento com substâncias entorpecentes, muitas vezes utilizadas como subterfúgios para fugir da realidade de agressão da qual está sendo submetida, problemas de aprendizado, evasão escolar, depressão, automutilação, dificuldades de relacionamento e até o suicídio.
Outrossim, os números de abuso sexual praticados contra crianças e adolescentes no Brasil, segundo Panorama da violência letal e sexual, realizado pelo UNICEF em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, fica evidente que trata-se de um problema de saúde pública, que exige olhar atento de toda sociedade para seu enfrentamento, conforme demostram os dados abaixo.
2 DADOS DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL:
A violência sexual se expressa de duas formas: o abuso sexual e a exploração sexual, e compreende ato, de qualquer natureza, atentatório ao direito humano ao desenvolvimento sexual da criança e do adolescente, praticado por agente em situação de poder e de desenvolvimento sexual desigual em relação à criança e adolescente vítimas.
O abuso sexual: É a utilização da sexualidade de uma criança ou adolescente para a prática de qualquer ato de natureza sexual. O Abuso Sexual é geralmente praticado por uma pessoa com quem a criança ou adolescente possui uma relação de confiança, e que participa do seu convívio. Essa violência pode se manifestar dentro do ambiente doméstico (intrafamiliar) ou fora dele (extrafamiliar), porém, conforme gráfico acima, em mais de 80% dos casos, ocorre no ambiente intrafamiliar.
A exploração sexual: É a utilização de crianças e adolescentes para fins sexuais, mediada por lucro, objetos de valor ou outros elementos de troca e, essa espécie de violação de direitos, exige investigação minuciosa para que seja possível apurar, mapear e responsabilizar a rede de exploração pois, apesar de ser uma prática comum, contra nossas crianças e adolescentes, os números de denúncias é extremamente baixo, em razão das dificuldades de investigação. A exploração sexual ocorre de quatro formas:
Exploração sexual no contexto da prostituição: É o contexto mais comercial da exploração sexual, normalmente envolvendo rede de aliciadores, agenciadores, facilitadores e demais pessoas que se beneficiam financeiramente da exploração sexual. Mas esse tipo de exploração sexual também pode ocorrer sem intermediários, contudo, quando se trata de crianças e adolescentes, não há que se falar em “prostitutas”, trata-se bem verdade, de pessoas em formação que estão sendo, covardemente exploradas por adultos.
Pornografia infantil: É a produção, reprodução, venda, exposição, distribuição, comercialização, aquisição, posse, publicação ou divulgação de materiais pornográficos (fotografia, vídeo, desenho, filme etc.) envolvendo crianças e adolescentes. Atualmente, essa forma de exploração vem ocorrendo em grande escala com a utilização das mídias digitais.
Tráfico para fins de exploração sexual: É a promoção ou facilitação da entrada, saída ou deslocamento no território nacional ou para outro país de crianças e adolescentes com o objetivo de serem exploradas sexualmente.
Turismo com motivação sexual: É a exploração sexual de crianças e adolescentes por visitantes de países estrangeiros ou turistas do próprio país, normalmente com o envolvimento, cumplicidade ou omissão de estabelecimentos comerciais de diversos tipos.
Os crimes sexuais são extremamente cruéis e traumáticos para as vítimas, seus impactos são ainda maiores, quando perpetrados contra crianças e adolescente, em razão da fase de desenvolvimento físico e mental que se encontram, motivo pelo qual, faz-se necessária uma proteção especial, visando garantir e proteger os direitos infantojuvenis, bem como, punir severamente os agressores e assegurar as vítimas todas as medidas protetivas para minimizar os traumas.
3 CRIMES CONTRA DIGNIDADE SEXUAL COM MAIOR INCIDÊNCIA, PREVISTOS NO CÓDIGO PENAL
De acordo com a pesquisa citada acima, o delito de estupro de vulnerável é o com maior incidência, 80% dos crimes contra dignidade sexual correspondem ao tipo penal descrito no art. 217-A do CP.
O legislador adotou o critério objetivo etário, configurando o tipo penal a prática de atos libidinosos e/ou conjunção com pessoa menor de 14 anos de idade, independentemente de sua anuência ou experiência anterior da vítima, conforme § 5º do artigo supramencionado.
§ 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.
Este é o entendimento do STF: “o consentimento da vítima menor de 14 anos, para conjunção carnal, e sua experiência anterior não elidem a presunção de violência, caracterizadora do estupro, pois a norma em questão visa, exatamente, a proteção da menor considerando-a incapaz de consentir, não sendo afastada tal presunção quando a ofendida aparenta idade superior em virtude de seu precoce desenvolvimento físico, ou quando o agente desconhece a idade da vítima. (RT 741/567).
Também, é o entendimento do STJ, pacificado através da Súmula 593: “O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.”, que deu origem ao §5º, do 217-A do CP.
4 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A PROTEÇÃO CONTRA A PORNOGRAFIA E O ALICIAMENTO INFANTOJUVENIL.
O ECA, enquanto legislação especial, protetora dos Direitos Infantojuvenis também prevê tipos penais, que disciplinam principalmente, condutas relacionadas à pornografia e ao aliciamento de crianças e adolescentes, praticadas por diversas formas, inclusive, por meios digitais:
Outrossim, para efeito dos crimes previstos no ECA, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.
Conforme dito anteriormente, o ECA foi alterado pela Lei 13.441, de 08 de maio de 2017 e passou a prever a infiltração de agentes de polícia na internet, visando a investigação de crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes.
Esta lei é um marco importante na proteção de crianças e adolescentes, hoje tão expostos nas redes sociais, e que dia após dia vêm sofrendo algum tipo de constrangimento de caráter sexual face a essa constante exposição, com consequências danosas ao regular e saudável desenvolvimento físico e psicológico.
Os crimes passam pela produção, reprodução, direção, fotografia, filmagem ou registro, por qualquer meio, de cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança/adolescente, bem como venda, oferta, troca, disponibilização ou exposição destes materiais por qualquer meio de divulgação existente.
Incide também sobre as pessoas que adquirem, possuem ou armazenem, por qualquer meio, materiais com pornografia infantil e ainda que simulem a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual.
Englobam ainda conjunção carnal, prática de ato libidinoso, presença, participação ou indução de menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia própria ou de outrem, além de atos que submetam, induzam ou atraiam à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos.
As penas dos crimes mencionados variam entre 01 (um) e 30 (trinta) anos de reclusão e multa, de acordo com a gravidade dos atos, atenuantes e agravantes. Com a criação da mencionada Lei, os agentes policiais poderão se “infiltrar” em redes sociais e sites diversos para obtenção de prova dos crimes mencionados, e assim, iniciar o processo de responsabilização dos abusadores.
A operação “Luz na Infância”, que já contou com diversas edições, busca combater crimes de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes praticados na internet foi deflagrada, promovida pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Operação, sendo promovida simultaneamente em diversos países, como Argentina, Estados Unidos, Paraguai, Panamá e Equador.
A operação busca além de combater esses crimes e responsabilizar os autores, ressaltar a importância da cooperação entre os órgãos do Sistema de Justiça e da Rede de Proteção, assegurando maior efetividades aos procedimentos adotados.
Assim, conforme amplamente exposto, compete a todos, Estado, sociedade e família, garantir a integridade física e psíquica de crianças e adolescentes, assegurando não apenas a proteção integral, bem como, a prioridade absoluta e seu melhor interesse, de forma a previr e combater todas as formas de violência, em especial, às perpetradas contra sua dignidade sexual.
De acordo com o art. 227, da CF/88:
Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL,2015)
§ 4.º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.
No mesmo sentido, o ECA prevê:
Art. 5º – Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 18 – É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Art.130 – Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum.
Somando aos dispositivos legais acima, o legislador instituiu a Lei n.º 13.431/2017, que estabeleceu o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, visando aprimorar o atendimento deste público. A Lei em questão ainda vem sendo implementada, em ritmo lento, em o todo Estado, exigindo a estruturação dos órgãos públicos, uma vez que apresenta a necessidade de desenvolvimento de diversas políticas públicas, bem como, reconhece a importância de ter um olhar diferenciado no atendimento da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de violência, considerando a sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento e deixando claro que o atendimento pela rede de proteção não pode configurar em experiência violadora, muitas vezes tão dolosa quanto a própria violência sexual sofrida.
5 SUGESTÃO DE ATIVIDADE A SER DESENVOLVIDA NO DIA 18 DE MAIO
Conforme registrado incialmente, o mês de maio, é um período de referência para o enfrentamento a violência sexual contra crianças e adolescentes, no qual, os atores da Rede de proteção devem promover atividades de mobilização, visando combater a violência sexual contra crianças e adolescentes.
Momento que as instituições devem prestar contas das ações que realizam e traçar estratégias que possam ser desenvolvidas ao longo do ano, devem demonstrar com dados estatísticos como veem trabalhando esse enfrentamento para que as informações possam subsidiar a elaboração de políticas públicas para que possam aprimorar serviços e indicadores sociais.
Assim, o Centro de Apoio Operacional sugere:
1. Fazer o levantamento de todos os processos envolvendo crimes contra dignidade sexual de crianças e adolescentes que tramitam em sua comarca para fornecimento a sociedade de dados estatísticos da problemática em seu município;
2. Fazer o levantamento e avaliação das medidas protetivas aplicadas em relação a essa forma de violação, pontuando as dificuldades encontradas na rede, inclusive no âmbito do próprio Ministério Público;
3. Articular a rede de proteção para ampla discussão. Na reunião todos os atores devem apresentar dados da execução de seus serviços e pontuar as dificuldades encontradas;
4. Para uma ação mais técnica, o grupo deve avaliar se as ações do plano Estadual de enfrentamento a violência sexual estão sendo cumpridos, bem como se o Município dispõe de plano municipal de enfrentamento. Em caso negativo, instar ao gestor para que haja elaboração do plano.
5. Avaliar junto com a rede de proteção, a implementação da lei 13.431/2017, discutindo como está ocorrendo a integralização dos serviços, os processos de atendimento, buscando a criação de fluxos de acordo com a realidade do Município.
Um fluxo padrão, onde estejam estabelecidos o papel de cada instituição e seu impulsionamento para os outros serviços, certamente trará mais segurança e efetividade nos atendimentos, evitando a revitimização.
Trabalhar prevenção a violência bem como criar estratégias para diminuir a subnotificação também são ações que devem estar na pauta do Ministério Público e da rede de proteção. Para tanto, o CAOIJ sugere que seja replicada a experiência do projeto “Navegue não Naufrague nos Crimes Sexuais”.
6 CONHECENDO PROJETO NAVEGUE NÃO NAUFRAGUE NOS CRIMES SEXUAIS
O projeto teve início em 2018, a partir da preocupação, 9º da 10ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Belém, especializadas em crimes contra crianças, com relação ao fenômeno da violência sexual, especialmente, no que concerne a subnotificação.
De acordo com o texto “A VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTIL NO BRASIL - Entenda o cenário da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil e saiba como preveni-la”, da Childhood[1], estima-se que apenas 10% dos casos de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes sejam notificados às autoridades.
Atualmente, 1.350 processos estão em trâmite na Vara de Crimes contra Dignidade Sexual de Crianças e Adolescentes na Capital, contudo, apesar do quantitativo ser elevado, de acordo com a pesquisa acima citada, esse número representa apenas 10% da violação de direitos, pois a quantidade real de casos é desconhecida pelo Sistema de Justiça.
A subnotificação pode ocorrer por diversos fatores, seja por falta de credibilidade ao pedido de socorro ou, pela conivência de alguns responsáveis com os abusos, receio de parentes, amigos em se envolverem com a situação, bem como pelo descumprimento do art. 245 pelos órgãos da rede de proteção, como a comunidade escolar e o sistema de saúde em notificar a suspeita de casos de violência, além do distanciamento e a falta de confiança no Sistema de Justiça que intensifica a subnotificação.
Uma das premissas da Carta de Brasília do CNMP e, dos diplomas legais em que ela se baseia, como a Convenção sobre Direitos das Crianças da Assembleia Geral da ONU, bem como nas previsões Constitucionais e infraconstitucionais que disciplinam a proteção integral infantojuvenil, compete ao Ministério Público, como defensor nato, de crianças e adolescentes, adotar uma postura proativa e preventiva, buscando focar sua atuação na promoção de medidas que antevejam problemas e busquem efetividade em sua resolução.
Para enfrentar a problemática da subnotificação, a atuação ministerial não pode restringir-se ao processo, devendo o Parquet intensificar o diálogo com a rede de proteção principalmente o sistema de educação e de saúde sobre essa forma de violência, bem como, aproximar-se da sociedade, em especial pais, responsáveis e alunos para fomentar políticas preventivas de violência, respeito e proteção ao corpo, apresentação dos serviços e portas de entrada para aplicação de medidas protetivas e de apuração e responsabilização dos infratores.
Diante disto, o Projeto Navegue Não Naufrague nos Crimes Sexuais foi concebido, visando seguir objetivos traçados na Carta de Brasília e nos diplomas acima citados e, principalmente, intensificando a atuação extrajudicial dos promotores de justiça, aproximando-os da sociedade, para que em parceria, possam envidar esforços no sentido de reduzir as subnotificações e enfrentar a violência sexual perpetrada rotineiramente contra as crianças.
Outrossim, partindo da premissa que, a maioria das crianças e adolescentes vítimas de violência estão em idade escolar e, passam grande parte do tempo nas escolas, o MPPA, respaldado com os saberes da equipe multidisciplinar das promotorias de justiça da infância da capital, em parceria com a faculdade Faci Wyden, adotou estratégias para abordar o tema da violência sexual neste espaço, através do diálogo com professores e profissionais da área de educação, bem como, com os próprios alunos e de seus pais e responsáveis.
Assim, tendo em vista, os resultados positivos do projeto na Capital, o Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude preparou este passo-a-passo para que ele possa ser adaptado a realidade de cada município e desenvolvido, inclusive, nas ações direcionadas ao 18 de Maio, Dia Nacional do Combate ao Abuso e Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes.
6.1 OBJETIVO GERAL DO PROJETO
Enfrentamento à violência sexual infantojuvenil através de ações preventivas junto à comunidade escolar, o que inclui alunos, professores, corpo técnico e colaboradores das escolas, além de pais e responsáveis, aproximar o Ministério Público da sociedade e reforçar seu papel como agente da rede de proteção.
6.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Sensibilizar a comunidade escolar quanto a importância da identificação, prevenção e combate à violência sexual contra crianças e adolescentes.
Trabalhar com os alunos a proteção e respeito ao corpo e a dignidade sexual.
Esclarecer ao público contemplado nas palestras sobre o papel de cada órgão do sistema de garantias e quais as portas de entrada que devem ser acionadas no caso de revelação de violência sexual.
Reforçar o relevante papel da escola em relação ao disposto no art. 245 do ECA.
6.3 PRINCIPAIS PARTES INTERESSADAS
Promotorias de Justiça
Comunidade escolar
Conselhos Tutelares
Delegacias Especializadas
Secretaria Estadual Municipal de Educação
6.4 AÇÕES:
a) Ações para Público infantil: realização de teatro de fantoches, elaborado pela equipe da Faculdade Faci Wyden, coordenado pela pedagoga Bethania Vinagre, abordando respeito e cuidado com o corpo e apresentando atores da rede de proteção.
Algumas promotorias do interior, não possuem a estrutura do teatro de fantoches, contudo, podem desenvolver diferentes estratégias para o diálogo com as crianças, como por exemplo, a exibição de vídeos educativos disponibilizados na internet e disponibilizados através do link abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=MekZv4XOkk0
https://canaisglobo.globo.com/assistir/canal/que-abuso-e-esse/t/jFGbdZqt29/
b) Ações para o Público adolescente: diálogo estabelecido através da "Cartilha navegue e não naufrague" com a abordagem do uso seguro da internet e reflexões sobre crimes contra dignidade sexual inclusive os praticados nos meios digitais.
c) Ações para o Público de pais, responsáveis, professores, diretores e corpo técnico da escola: conversa através da cartilha “Enfrentamento à violência sexual", onde estão descritos conceitos de condutas tipificadas crimes contra dignidade sexual, responsabilidade dos pais, obrigatoriedade de notificação dos casos de violência pelos profissionais da escola, fluxo de atendimento e apresentação dos órgãos de proteção e suas atribuições.
6.5 CARTILHAS UTILIZADAS:
6.6 RESULTADOS POSITIVOS DO PROJETO
Discussão da temática de forma transversal, sedimentado as informações para prevenção da violência através da comunidade escolar.
A partir do projeto houve um aumento do registro de notificações de violência oriundas do espaço escolar, conforme dados do sistema informação do Ministério Público, que identificou um aumento no registro de denúncias ofertadas ao poder Judiciário.
Outrossim, após a execução do projeto, houve uma aproximação do Ministério Público com a comunidade escolar, através da vivência da rotina das escolas, a troca de aprendizado, uma junção de fatores que gerou maior confiabilidade e credibilidade no trabalho desenvolvido pelo promotor de justiça, acarretando no aumento de denúncias de violência sexual oriunda do ambiente escolar.
Na impossibilidade de execução do projeto em sua plenitude, algumas ações podem ser realizadas utilizando diretrizes nelas contidas para fomentar debate e o impulsionamento da política pública. São elas:
a) Mapear as escolas do município, realizado um ciclo de ações itinerantes executando os diálogos explicitados no projeto de acordo com a faixa etária, ou seja, apresentando o teatro de fantoches (quem tiver estrutura) ou exibição de vídeos para as crianças; conversa com os adolescentes através da "Cartilha navegue e não naufrague" com a abordagem de temas como: uso seguro da internet e reflexões sobre crimes contra dignidade sexual, inclusive, os praticados nos meios digitais, estimulando a produção de cartazes, redação ou campanha onde as crianças e os adolescentes possam sedimentar as informações que receberam, transformando-se em protagonistas, vozes na luta por dignidade sexual.
b) O promotor de justiça pode realizar roda de conversa com a direção, corpo técnico e professores para reforçar o importante papel da escola como Rede de Proteção, responsável por observar, acolher e manter uma atitude de constante cuidado sob seus alunos, e quando detectar casos de violação de direitos, deverá adotar as providências necessárias para fazer cessar qualquer tipo de abuso, realizando os encaminhamentos cabíveis aos demais órgãos, para que sejam adotadas as medidas capazes de salvaguardar a criança e adolescente em situação de risco.
A escola deve ser estimulada na forma preconizada pela LDB, a tratar o tema da violência sexual transversalmente com os alunos, reforçando a importância da proteção e discutindo questões de gênero e outros temas de direitos humanos, estimulando a denúncia em caso de violação de direitos. Deve ainda, ser instada a criar protocolo interno para cumprir a obrigatoriedade de notificação descrita no art. 245 do ECA.
c) Na mesma toada, pode reunir o sistema de saúde do município para discutir a obrigatoriedade da notificação compulsória, desmistificando o temor vivenciado por parte de alguns profissionais quanto a responsabilização em caso de não condenação do suposto agressor. Reforçando que o papel do sistema de educação e de saúde é apenas comunicar possível prática de violação de direitos, e que, portanto, não podem sofrer ações do suposto agressor absolvido. De outro modo, caso não notifiquem, aí sim, deverão responder pela prática de infração administrativa.
7 CAMPANHA INSTITUCIONAL
O Ministério Público, na forma do art. 127, parágrafo único da Constituição Federal, é regido constitucionalmente pelos princípios da Unidade e da Indivisibilidade, e respeitada a independência funcional, seus membros devem primar pela atuação cada vez mais uniforme, conjunta e simultânea para firmar uma identidade institucional.
Assim, para além do material produzido no que concerne a fiscalização da lei 143.431/2017 (Roteiro de atuação para fiscalização do cumprimento da Lei 13.431/2017), passo a passo para “replicar o projeto Navegue não Naufrague”, e sugestões de atuação para ações e fortalecimento da rede, o CAOIJ solicitou a elaboração de vídeos institucionais sobre violência sexual.
Os vídeos trazem a abordagem da banalização do estupro de vulnerável, a violação de direitos sexuais no ambiente digital e a exploração sexual de crianças ribeirinhas. Tais vídeos devem ser amplamente divulgados para instigar a sociedade a discutir a temática.
O art. 227 da Constituição Federal dispõe que a proteção à criança e ao adolescente é dever de todos, assim como o art. 13, do ECA, da mesma forma, disciplina a obrigatoriedade de comunicação ao Conselho tutelar dos casos de suspeita ou confirmação de violação de direitos contra crianças e adolescentes.
Assim, objetiva-se através de uma identidade institucional, demonstrar a preocupação e engajamento do MPPA no enfrentamento a essa forma de violação de direitos, bem como conclamar a sociedade a não tolerar a violência sexual, denunciando os casos, para que juntos possamos cumprir as diretrizes constitucionais, de fato, protegendo crianças e adolescentes.
8 CONCLUSÃO
Em alusão ao mês “Maio Laranja”, o MPPA deverá intensificar suas ações no enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, bem como, mobilizar a rede para avaliar os serviços ofertados, para que juntos possam traçar estratégias mais efetivas para melhorar as políticas públicas existentes.
Visando subsidiar sua atuação, o CAOIJ preparou este material, apresentando dados estatísticos sobre o fenômeno, pontuando os crimes contra dignidade sexual infantojuvenil mais recorrentes, a fim de facilitar o diálogo com a sociedade e com a Rede de Proteção.
Bem como, intensificar a fiscalização da Lei 13.431/2017, a fim de garantir a efetiva implementação do sistema de garantias para crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência, de forma que o tratamento oferecido pós violação de direitos, não seja, ainda mais violador, que a conduta criminosa.
O Ministério Público, como órgão fiscalizador que é, deve prezar pela garantia da estruturação dos serviços oferecidos à vítima, tendo vista que, apenas com acompanhamento psicossocial adequado, para ela e sua família, é que se pode minorar os traumas vivenciados. Somente com o atendimento integrado e acolhedor, da Rede de Proteção, em parceria, com o Sistema de Justiça, pode oferecer um recomeço, a quem, foi submetido a uma das piores formas de agressão que um ser humano pode sofrer.
O material, apresenta, ainda, uma sugestão de como replicar o Projeto Institucional “Navegue não Naufrague nos Crimes Sexuais”, em seu município de atuação, buscando para além da responsabilização dos acusados, a atuação preventiva do Ministério Público direcionada à proteção vítima, e a formação e articulação com o sistema de educação e de saúde.
O MPPA, em sua missão indutora de políticas públicas deve fomentar ações preventivas, aliar-se às ações de rede de proteção e fiscalizar os serviços ofertados, buscando efetividade protetiva, evitar a revitimização e responsabilizar os autores.
9 MATERIAL DE SUPORTE
1. Dados estatísticos da pesquisa elaborada pela Unicef e FBSP
2. Roteiro de implementação da lei 13.431/2017
https://www2.mppa.mp.br/areas/institucional/cao/infancia/maio-laranja.htm
3. Projeto “Navegue não Naufrague”
4. Cartilha “Guia de Orientação: Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes”
2021 - Guia de orientacao enfrentamento a violencia sexual contra criancas.pdf
5. Cartilha “Navegue não Naufrague”
6. Vídeos Institucionais
7. Recomendação subnotificação escola/sistema de saúde
10. Slides
11. Cartilhas Meu corpinho, meu tesouro