ATENDIMENTO AO CIDADÃO

Saúde infantil precisa ser integral, alertam especialistas

Na V Semana da Criança e Adolescente do MPPA, profissionais de diversas áreas discutiram o tema da saúde infantojuvenil
Belém 25/10/19 15:51

Nos últimos quatro dias, o Ministério Público do Estado, em parceria com diversas órgãos, realizou a V Semana da Criança e Adolescente com o tema  ‘’O Direito Fundamental à saúde da criança e do adolescente’’, na perspectiva holística da ‘saúde’. O evento concentrou a massiva participação daqueles que estão diretamente envolvidos com a promoção da saúde integral infantojuvenil, como profissionais e especialistas das áreas de educação, saúde e assistência social, além de pais e mães de crianças e adolescentes.

Iniciado na última terça (22), com três dias de palestras e discussões subtemáticas ao direito fundamental à saúde e um dia de atividades culturais e de lazer, a V Semana da Criança e Adolescente terminou nesta sexta (25) com dois pontos centrais e recorrentes nas discussões tratadas no evento: Há necessidade de integração entre instituições e órgãos ligados à promoção da saúde integral de crianças e adolescente e há necessidade de efetivação das normas e diretrizes existentes sobre o tema na legislação brasileira.

‘’Como resultado final da semana da criança e do adolescente, dada participação maciça de todos os preceitos e das pessoas envolvidas na causa da criança e adolescente, tivemos palestras muitos positivas, reflexivas e propositivas. Lógico que não podemos solucionar os problemas apenas com discussões, mas é de extrema importância essa troca de conhecimento e informações para juntarmos esforços para que possamos, a partir de então, buscamos resolutividades dos problemas que se encontram na nossa região e afetam o desenvolvimento das criança e adolescentes’’, avalia a coordenadora da V Semana, promotora de justiça Ângela Balieiro 

Na última quinta (24) e nesta sexta (25) os painéis de discussão realizados no auditório do edifício-sede do Ministério Público foram: a escola como espaço privilegiado na construção de uma cultura da paz; o impacto da medida socioeducativa de internação no desenvolvimento psicossocial dos adolescentes; e a Garantia de atenção integral à criança e adolescente: Uma abordagem da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP) e Ministério da Saúde. Acesse aqui o álbum dos dias 24 e 25.

Neste último painel houve as subtemáticas: Política Nacional de Atenção Integral à saúde da Criança; Desafios da promoção de saúde integral às crianças e adolescentes na Amazônia visão do pediatra, Saúde Mental de Crianças e adolescentes; – Saúde Escolar na Rede Municipal de Belém; A importância da identificação da síndrome da Alienação parental para tutela do direito à saúde das crianças e adolescentes.

Veja a seguir o que foi discutido em cada temática.
   

Um ambiente propício para a cultura da paz: a escola

Sob Coordenação da promotora de Justiça da Infância e Juventude de Belém, Viviane Couto, na quinta (25), os especialistas Genylton Odilon Rego da Rocha, professor de Pedagogia da UFPA, e Milene Maria Xavier Veloso, professora de Psicologia da UFPA, fizeram importantes explanações sobre a cultura da paz nas escolas paraenses, enquanto um modo de pensar e agir que rejeita a violência a violência como alternativa de reação a um estímulo conflituoso. 

 

Compõe a mesa a promotora de justiça Viviane Couto, dois especialista ao entorno e um estudante debatedor
Compõe a mesa a promotora de justiça Viviane Couto, dois especialista ao entorno e um estudante debatedor
Foto: Alexandre Pacheco

 

‘’A cultura da paz se constitui enquanto uma proposta de mudança de concepção de mundo, mudança de posturas pessoais e do papel enquanto cidadão. A escola enquanto instância educativa é um espaço privilegiado para promover essa formação, porque é por meio da educação que nós vamos assimilando a cultura da sociedade da qual fazemos parte (...) agora infelizmente a cultura da paz ainda não faz parte das políticas públicas educacionais, nem da rede estadual, nem da rede municipal de educação’’, ressalta o Professor Genylton Odilon Rocha.

Em sua explanação, a professora Milene Maria Veloso defende a importância das escolas favorecerem os variados aspectos do desenvolvimento infantil, como de comunicação e de relacionamento. ‘’É necessário que a escola eduque não só para o aprendizado de conhecimentos específicos, mas também para trabalhar com a afetividade, mediação de conflitos, o respeito à diversidade e a diferença; isso é um fator fundamental. Outro ponto é fortalecer o vínculo entre escola e família; o que acontece em geral é a família responsabilizar as escolas por algumas questões e escola responsabilizar a família por outras, quando na verdade a responsabilidade para educar as crianças é de todos’’, pontua.

Um dos aspectos necessária à promoção dessa cultura da paz, seria na avaliação do professor Genylton Rocha a ampliação do número de profissionais nas escolas: ‘’É de fundamental importância a presença de profissionais de áreas como psicologia e assistência social nas escolas (...) a cultura da paz, para ser desenvolvida nas escola, precisa ser trabalhada também de forma interdisciplinar, razão pela qual profissionais como psicólogos e assistentes sociais (em completo ao trabalho dos professores) tem papel fundamental no interior das escolas para incentivar, estimular e dinamizar a cultura da paz’’.  

A medida socioeducativa de internação e seus impactos

Ainda na quinta (25) a segunda temática abordada foi a medida socioeducativa de internação, com a coordenação da promotora de justiça Ângela Balieiro. Os especialistas convidados para tratar do tema foram o médico psiquiatra Kleber Roberto da Silva Gonçalves de Oliveira, o psicólogo Altiere Duarte Ponciano Lima e a assistente social Elinete Marques dos Santos.  

 

Compõe a mesa respectivamente, o Médico Kleber Gonçalves de Oliveira, a promotora Ângela Balieiro,  o Psicólogo Altiere Lima e a Assistente Social Elinete dos Santos.
Compõe a mesa respectivamente, o Médico Kleber Gonçalves de Oliveira, a promotora Ângela Balieiro, o Psicólogo Altiere Lima e a Assistente Social Elinete dos Santos.
Foto: Alexandre Pacheco

O médico psiquiatra Kleber Roberto de Oliveira avaliou que a medida socioeducativa precisa ser tratada como uma temática transversal e interdisciplinar. presidente da Associação Paraense de Psiquiatria, o especialista diz que abordagem profissional nas criança e adolescente na medida socioeducativa considera ‘’esferas de influências biopsicossociais’’ para a acusa dos atos infracionais dos jovens, existindo questões genética e naturais, assim como um contexto social e cultural. Na região paraense, nesse contexto, está o crescimento da violência urbana e a presença cada vez maior de jovens praticando atos infracionais e inseridos no tráfico de drogas.  

O médico pontuou também que os espaço de internação devem respeitar a peculiaridade de cada fase do desenvolvimento das criança e adolescentes e que há necessidade de ser um espaço para a escolarização, lazer, esporte, profissionalização e saúde. Porém a realidade, segundo o médico, é de infraestrutura inadequada, excesso de lotação e condições insalubres.

Na sua abordagem, o psicólogo Altiere Duarte, mestre em Psicologia Forense e Jurídica, declara que o ideal da medida socioeducativa, em seu cerne, não propõe uma pena privativa de liberdade e retributiva à criança/adolescente infrator, como acontece no sistema penitenciário, mas realidade Brasil acabou deturpando este ideal da medida socioeducativa.

‘’Quando a gente pensa na medida socioeducativa, e o estágio mais extremo que é a internação, pensamos na possibilidade de como podemos trabalhar nos processos educativos e sociais as habilidades dos adolescentes frente a um ato infracional, mas, primeiramente, temos que compreender o que é um ato infracional. Diferente do direito penal, eu não tenho o autor de um crime, eu tenho um ator que praticou um ato infracional, sendo sintoma de um conflito histórico que se estabelece dentro de uma trama social (...)’’, explica o psicólogo. 

Altiere Duarte avalia que na medida socioeducativa há diversos impactos na constituição, principalmente, da saúde mental dos adolescentes. ‘’Há marcas indeléveis no aparelho psíquico dos adolescentes ou crianças, há uma linguagem e um sistema disciplinador muito particular, então dentro do aparelho psíquico e da constituição subjetiva desses sujeitos há marcas indeléveis que eles podem levar para o resto da vida’’.

Ao trazer o conceito de ‘’saúde’’ da Organização Mundial da Saúde (OMS) – que preconiza um completo bem-estar físico, social e mental - o especialista questiona quem tem saúde na medida socioeducativa de internação. ‘’Ela já é uma intervenção do Estado que demonstra um processo de marginalização secundária; o adolescente já teve seus direitos fundamentais violados, que fazem com que ele seja marginalizado no início da própria vida, e o ato infracional é a confirmação de que esses direitos foram violados e que o Estado não cumpriu seus deveres’’.      

Já na sua explanação, dentre outros pontos, a assistente social Eliente Santos pôs em evidência a importância da ‘’união, estados e municípios assegurem o cofinanciamento para a execução das medidas socioeducativas e que sejam estabelecidas no Plano Plurianual PPA (voltado aos investimentos aos direitos da criança e adolescente), conforme o planejamento estratégico realizado pelas instituições, por meio dos programas, projetos e serviços, para fins de qualificar e fortalecer o atendimento e as políticas socioeducativas’’.

   

Política Nacional à saúde da Criança e adolescente e Desafios da promoção de saúde integral na Amazônia 

No painel desta sexta (25) Garantia de atenção integral à criança e adolescente: Uma abordagem da SBP e Ministério da Saúde, as médicas Ana Claudia Damasceno e Vilma Hutim trataram respectivamente dos desafios para promoção da saúde infanto-juvenil na região amazônica e as políticas nacional em prol da saúde integral. A coordenação do painel foi da Promotora de Justiça da Infância e Juventude de Belém Silvia Branches.

Promotora de Justiça, Silvia Branches, coordena a mesa
Promotora de Justiça, Silvia Branches, coordena a mesa
Foto: Alexandre Pacheco

Trazendo indicadores sobre os índices de saúde integral na região Amazônia a Médica pediatra Ana Claudia Damasceno demostra que todos os estados que compõem a Amazônia Legal possuem preocupantes estatísticas no índice de promoção à saúde integral. A região apresenta os maiores índices de mortalidade infantil, segundo dados apresentados pela médica pediatra.

‘’O ideal não é a construção de muitos hospitais para o tratamento de mais e mais crianças, o ideal é prevenir as doenças e debilidades, físicas e mentais, (...) na região amazônica muitos aspectos são mais difíceis ao se compara com outras regiões, na questão ao acesso à saúde, há problemas como a centralização dos serviços, baixas coberturas vacinais, altas prevalências de desnutrição e muitas doenças que são endêmicas da própria região. Então são muitos desafios que precisamos vencer com parcerias, pois as equipes de saúde sozinhas não conseguem fazer isso, na realidade há necessidade de integração entre gestores, legisladores, profissionais da saúde, da educação e a iniciativa da sociedade de maneira geral’’. 

A pediatra e psicóloga clínica, Vilma Hutim de Souza, apresentou o histórico de decretos, normas e planejamentos a nível nacional para a promoção da saúde ingetral. O grande argumento da profissional foi destacar a existência suficiente de cobertura legislativa para a promoção da saúde, mas a falta de efetivação do que está previsto legalmente. ‘’Nós acreditamos, doamos o nosso tempo, com capacitações, com reflexões, com campanha, atuações, são tantas normas e diretrizes, mas falta em efetivação’’, diz.

       

Saúde Mental de Crianças e adolescentes 

A neuropsicóloga Margareth Carvalho do Centro de Referência em Inclusão Educacional (CRIE) da Semec e coordenadora Núcleo de Avaliação Educacional Especializada (NAEE), abordou também nesta sexta (25) a construção da saúde mental de crianças e adolescentes, com base em sua experiência no NAEE e no CRIE. 

 

Neuropsicóloga Margareth Carvalho fala de saúde mental
Neuropsicóloga Margareth Carvalho fala de saúde mental
Foto: Alexandre Pacheco

 

No NAEE há, segundo a especialista, uma grande demanda de criança, principalmente, com transtornos mentais. ‘’Nós não diagnosticamos, damos uma hipótese diagnósticos, mas atendemos uma grande maioria de crianças com possibilidades de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), com Transtorno do Espectro Autista (TEA); crianças com possibilidades de deficiências intelectuais. É uma demanda que cresce cada vez mais e a grande dificuldade que nós temos hoje é com a rede de apoio, para onde encaminhar essas crianças, as famílias, como fechar o diagnóstico. Falta uma rede de apoio que fortalece o trabalho desenvolvido’’.

 A neuropsicóloga aponta os sinais de problemas na saúde mental das crianças e adolescente: problemas para dormir, agressividade, irritabilidade, apatia, falta de prazer em brincar, excesso ou falta de fome, recusa em interagir, atraso comunicação, entre outro. 

Projeto de Saúde escolar

 A pedagoga Renata Pâmela de Almeida Mota e professor de biologia Fabrício Moraes Pereira trataram do tema Saúde Escolar na Rede Municipal de Belém. Os palestrantes apresentaram dois projetos desenvolvidos nas escolas municipais que estão resultados promissores no quesito saúde escolar.

 

 

Professores apresentam os projetos desenvolvidos nas escolas
Professores apresentam os projetos desenvolvidos nas escolas
Foto: Alexandre Pacheco

 

Os dois projetos, que estão em desenvolvimento no âmbito da Secretaria Municipal de Educação de Belém, são ‘Direito de ser criança’ e o ‘Programa Saúde na Escola’’. ‘’Ambos estão relacionados à saúde e eles têm prerrogativas bastante interessantes em relação a proposta de intersetorialidade, onde vários setores da sociedade trabalhando em prol da melhoria das condições de saúde da comunidade escolar para a melhora dos índices de saúde’’, explica o professor Fabrício, mestre em saúde, meio ambiente e sociedade na Amazônia.

Na perspectiva ampla de saúde, o ‘Direito de ser criança’ elabora ações sócias, oficinas, mesas redondas e manifestações culturais nas escolas e o ‘’Programa Saúde na Escola’’, de âmbito nacional, promove avaliação das Condições de Saúde das crianças e adolescentes; atividades de Prevenção; e Capacitação dos Profissionais da Educação e da Saúde e de Jovens.

   

Alienação Parental 

Nessa problemática há necessidade dos profissionais da área da saúde mental atuerem em conjunto com os profissionais da área jurídica, para efetivamente proteger os direitos fundamentais das crianças, na avaliação da Advogada e pós-graduanda em famílias e associações Louise Barros Fiuza de Mello Kalume, que palestrou sobre a importância da identificação da síndrome da Alienação parental para tutela do direito à saúde das crianças e adolescentes.

 

A advogada Louise Barros Kalume fala de alienação parental
A advogada Louise Barros Kalume fala de alienação parental
Foto: Alexandre Pacheco

 

Em termos de exemplo, a Alienação Parental ocorre quando dois responsáveis por uma criança se separam e aquele que tem a guarde começa a criar falsas memórias na imaginação da criança, fazendo com que o vínculo do menor com o outro responsável seja rompido.  A especialista explica que ‘’a criança absorve uma raiva que é originária do responsável alienador e isso impacta diretamente no desenvolvimento saudável da criança’’

‘’O desenvolvimento psíquico é o principal afetado, as crianças são a base da sociedade, violando o desenvolvimento da criança, podemos não ter adultos no futuro que consigam viver de forma saudável na sociedade’’, afirma.

   

Semana da Criança

Pelo 5º ano consecutivo o Ministério Público realiza no mês de outubro uma série de atividades com atenção à criança e ao adolescente, a Semana da Criança já entrou para o calendário anual do Ministério Público do Estado e assim como em outros anos contou com diversas parceiros. Neste ano, como o tema ‘’Direito fundamental a saúde de crianças e adolescentes’’, todas as sistemáticas abordadas nos painéis de discussão estão vinculadas ao ideal de saúde integral, enquanto direito fundamental, ao considerar que saúde diz respeito ao completo bem-estar físico, emocional, social e ambiental o qual o poder público e a sociedade em geral devem prover às crianças e adolescentes.
 

Texto: Renan Monteiro
Revisão: Edyr Falcão

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