Celular em excesso é ameaça a idosos e pessoas com deficiência

Para discutir os impactos do uso abusivo e desorientado da tecnologia para a pessoa idosa e para a pessoa com deficiência, envolvendo consequências psicofísicas e os riscos de navegar no ambiente digital sem orientação e segurança, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) realizou na última quinta (14) o ciclo de palestras ‘’Atenção Real na Era Digital - Os reflexos da tecnologia nos cuidados da pessoa com deficiência e da pessoa idosa’’. O evento foi realizado no auditório da Promotorias de Icoaraci, bairro Cruzeiro, reunindo profissionais da área da educação, saúde e comunidade do entorno.
‘’É a primeira vez que estamos realizando um trabalho com essa temática, e isso é apena um embrião. A pretensão é desenvolver e estender esse projeto. Como a minha atribuição também é com os idosos, a saúde e pessoas com deficiência de Icoaraci e Outeiro, a intenção é aumentar os esforços para atingir a grande Belém (...) o próprio MP e as Delegacias precisam estar preparados para atender as pessoas em eventuais casos de crimes envolvendo a internet‘’, avalia a promotora de justiça de Icoaraci, Sintia Bibas Maradei, afirmando que futuramente, conforme o desenvolvimento do projeto, pode-se propor uma política pública ou legislação específica sobre o uso abusivo e desorientado de dispositivos digitais.

O ciclo de palestras ‘’Atenção Real na Era Digital - Os reflexos da tecnologia nos cuidados da pessoa com deficiência e da pessoa idosa’’ é uma iniciativa da 1ª e 5ª promotoras de Justiça Cível de Defesa Comunitária e da Cidadania de Icoaraci, Darlene Rodrigues Moreira e Sintia Bibas Maradei, em parceria com a promotora de Justiça de Defesa das Pessoas com Deficiência e dos Idosos e de Acidentes de Trabalho de Belém, Elaine Castelo Branco.
A promotora de justiça Darlene Rodrigues Moreira, co-responsável pelo evento, explica que o primeiro passo da iniciativa foi uma conversa entre as três promotoras sobre a campanha ‘Celular não é babá’, momento em que foi pontuada a atenção aos idosos e pessoas com deficiência na era digital.
‘’Na promotoria ainda não temos registro de casos concretos, mas o que sabemos são inúmeros golpes realizados por meio do celular, sendo, muitas vezes, a pessoas idosa vítima justamente por não ter conhecimento de como lidar com os meios digitais e o assédio de mal intencionados nesse ambiente. Como a tecnologia digital está cada mais inserida na nossa rotina, é recorrente a discussão e o empenho pela inclusão digital, porém, não temos conhecimento de ações no sentido da educação. E justamente o que falta é a educação digital para perceber que precisa ter um uso controlado’’, defende a promotora Darlene Moreira.

Para tratar dos reflexos da tecnologia no cotidiano da pessoa idosa e da pessoa com transtorno neurológicos foram realizadas as palestras: “O impacto do uso de eletrônicos em crianças com transtorno do neurodesenvolvimento - TDAH e TEA”, com a neuropsicóloga Karina Medrado; ‘’Os avanços da tecnologia e a repercussão no cotidiano da pessoa idosa”, com a advogada presidente da Comissão de Defesa dos Direitos do Idoso da OAB/PA, Letícia Martins Bitar de Moraes; “Atividade física: um desafio na era digital” com a educadora física, professora Ana de Sá; e “O idoso nesse mundo digital’’, com a gerontóloga e especialista em envelhecimento e saúde do idoso, Walquíria Cristina Batista Alves.
Idosos
Em média 40 pessoas idosas por semana procuram a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoas Idosa da OAB/PA na tentativa de receber orientação jurídica ou para prosseguir com alguma ação sobre determinado acontecimento. Dessa quantidade, cerca de 60% são pessoas que com muita probabilidade foram vítimas de algum golpe financeiro, especialmente descontos indevidos em seus salários. Quem informa sobre esses dados é a presidente da Comissão, Letícia Martins de Moraes, que palestrou sobre os avanços da tecnologia e a repercussão no cotidiano da pessoa idosa.
‘’O idoso, por sua própria natureza, é uma pessoa crédula, então aqueles que se aproximam de forma mal intencionada usam de estratégias e artifícios para envolvê-los na situação de golpe, seja com empréstimos indevidos ou roubos de dados. A orientação é que as pessoas tomem cuidado de não passar informações pessoais por telefone porque é impressionante como o número de descontos indevidos nos proventos dos idosos recebidos na OAB é alarmante. Há casos em que a pessoa aposentada foi descontada em mais de 70% no salário por fraude’’, relata Letícia Martins de Moraes.

A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos do Idoso da OAB/PA explica que existe um canal com o INSS, por meio do qual pode-se solicitar o bloqueio desses descontos indevidos durante a apuração do possível golpe. Do total de casos investigados, 99% dos idosos são realmente vítimas de fraude, segunda a advogada.
Na avaliação da gerontóloga e especialista em envelhecimento e saúde do idoso, Walquíria Cristina Alves, os paraenses da terceira idade estão cada vez mais conectados, principalmente por meio de aplicativos de mensagens como o WhatsApp e redes sociais como o Facebook. Membro do Conselho Estadual da Pessoa Idosa, Walquíria Alves fala que uma das frentes de trabalho do Conselho é o incentivo do protagonismo e da autonomia dos idosos em sua vida e no acesso aos meios digitais/eletrônicos, sejam aplicativos, redes sociais ou os caixas de autoatendimento.
Os golpes no uso de caixas eletrônicos por idosos, por sinal, aumentam significativamente as estatísticas de crimes contra a população idosa, na avaliação da gerontóloga. ‘’Nós temos um grande número de idosos analfabetos e em complemento há também um grande número de pessoas idosas com analfabetismo digital, o que torna as pessoas mais vulneráveis a esses golpes envolvendo ferramentas digitais e eletrônicas. A resolução para essa problemática é a educação digital’’, pontua a especialista.
Na palestra “Atividade física: um desafio na era digital”, a educadora física Ana de Sá, representando o grupo Cynthia Charone, abordou como atualmente estamos cada vez mais conectados ‘’com algo que está em nossas mãos e menos conectados com o movimento do nosso corpo’’. A praticidade da tecnologia digital, segunda a educadora, ao mesmo tempo em que facilita em determinadas situações, contribui para distanciar as pessoas das possibilidades de movimento corporal, aumentando a rotina sedentária.
‘’O fato de você ter um comportamento sedentário, e não atingir ao que é recomendado em quantidade de atividades físicas por semana, pode fazer com que o aparecimento de doenças crônicas seja mais recorrente. Os dados apontam para casos de infarto, hipertensão e diabetes, sendo o comportamento sedentário já considerado um grande problema de saúde pública. Especificamente em relação aos idosos, os dados apontam que quanto mais idosas as pessoas, maior o comportamento sedentário.
Quem está fora da realidade sedentária é a professora aposentada Maria Naide Teixeira Mendes (66), fazendo atividades de dança há anos por meio do Centro de Referência de Assistência Social (Cras). Participante do ciclo de palestras, a aposentada diz não lidar muito bem com a tecnologia digital, e que amigas, próximas de idades, já foram vítimas de golpes financeiros pela internet. Apesar disso, Maria Naide avalia a tecnologia digital como facilitador de muitos aspectos do cotidianos de sua vida, ‘’tendo mais efeitos positivos, devendo, apenas, as pessoas que usam terem limites e orientação sobre esse uso’’, opina.
Crianças com TDAH e Autismo
Além de falar dos riscos para pessoas com deficiência e pessoas idosas, o ciclo de palstras falou também os riscos do uso de dispositivos digitais por pessoas com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), especificamente crianças com esses diagnósticos, a neuropsicóloga pelo Instituto Neurológico de São Paulo, Karina Medrado, abordou como o uso excessivo de eletrônicos por crianças com transtorno do neurodesenvolvimento podem agravar os sintomas dos transtornos já existentes.
‘’Criança que tem TDAH ou que estão dentro do Espectro Autista têm o que chamamos de transtorno do neurodesenvolvimento, com alterações em algumas áreas do cérebro, causando uma menor funcionalidade e alterações nas habilidades cognitivas, atenção, memória, na capacidade de planejamento e raciocínio, e, no caso do autismo, muitas podem ter déficit de linguagem. Então, quando essas crianças utilizam smartphones, tablets, videogames de forma excessiva, os sintomas já existentes são intensificados’’, explica neuropsicóloga.

Qualificada em Applied Behavior Analysis, Karina Medrado revela que crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), já tendo dificuldades de atenção e controle da impulsividade, quando ficam passivamente recebendo dos dispositivos digitais estímulos de cores e sons de forma muito intensa, há grande probabilidade dessas dificuldade e sintomas serem acentuados.
A mesma lógica vale para criança inseridas do espectro autista. Na Síndrome de Asperger, forma mais ‘’branda’’ do Autismo, em que as pessoas normalmente têm dificuldades de interação social e preferem o isolamento, o uso excessivo de eletrônicos potencializa a exclusão das criança do meio social, aumentando as dificuldades de interagir com as outras crianças ou com outros adolescentes, prática de extrema importância na idade de desenvolvimento.
‘’Nesses tipos de transtornos, principalmente na Síndrome de Asperger, já existe uma comorbidade com a depressão na adolescência. Então se essas crianças e/ou adolescentes ficam por muito tempo utilizando as redes sociais ou vídeo-games, por exemplo, isso pode aumentar e intensificar os sintomas também depressivos, além dos sintomas próprios e característicos do transtorno’’, pontua Karina Medrado.

Além das promotoras de justiça responsáveis pela iniciativa, o evento contou com a presença do promotores de Justiça de Icoaraci, Lauro Francisco Freitas Junior, Mario Sampaio Chermont e José Edvaldo Sales.
Texto: Renan Monteiro (estagiário de jornalismo)
Edição: Edyr Falcão