MPPA lança projeto para a resolução de conflitos familiares

Na busca pela resolução eficaz de conflitos familiares como pedido de guarda, alienação parental e divórcio, o Ministério Público do Pará (MPPA), por meio da 2ª promotora de Justiça Cível e de Defesa Comunitária e Cidadania de Icoaraci, Sinara Lopes Lima, lançou nesta última sexta (4) o projeto ‘’Justiça em Círculo: Praticas restaurativas’’. A iniciativa foi apresentada ao final do curso de capacitação sobre o mesmo tema, ocorrido no auditório da Promotoria de Justiça de Icoaraci, contando com a participação de membros e servidores da instituição e profissionais de diversas áreas.
Acesse as fotos do evento aqui
O Justiça em Círculo: Praticas restaurativas, concebido com a ideia de resolução de conflitos familiares, vai tratar de casos já judicializados junto a Vara da Família no Fórum Distrital de Icoaraci e casos ainda não judicializados encaminhados pela Defensoria Pública de Icoaraci, parceira do projeto.
‘’A proposta do Justiça em Círculo é de resolver o conflito com o objetivo final de pacificação social, reintegração daquelas partes em conflito à comunidade, o equilíbrio e a restauração dos relacionamentos (...) A ideia é de expandi-lo, conforme o possível, para todos os municípios onde haja uma promotoria de justiça’’, afirma a promotora Sinara Lopes.

O projeto Justiça em Círculo é composto por uma equipe interdisciplinar de 8 profissionais. Além da promotora de Justiça Sinara Lopes Lima, participam a assistente social Jandira Miranda, a psicóloga Regiane Almeida, a pedagoga Isabele Paiva, e outros profissionais da pedagogia e psicologia.
Baseada no princípio dos três "Rs" (Responsabilização, Reintegração e Reparação), a justiça restaurativa é um paradigma para mediar e gerenciar situações de conflitos, disputas e até de violências através de valores e condutas próprias das práticas restaurativas. A metodologia surge como uma proposta de complemento à justiça punitiva, sistema vigente, para evitar que os conflitos gerem disputas mais graves.
Para trabalhar com a metodologia restaurativa há necessidade de uma equipe interdisciplinar, a priori. O processo formal é ocorrer a triagem dos casos de conflitos, promover pré-encontros com os indivíduos, com as partes envolvidas e estabelecer um diálogo mútuo em busca de acordo. Não é recomendado que o promotor seja o facilitador (condutor) dos diálogos (chamados de círculos) entre as partes. O promotor lança mão da metodologia restaurativa através de uma equipe capacitada responsável por desenvolvê-la.
A promotora Sinara Lopes explica não ser ético o promotor de justiça conduzir a resolução de um conflito ‘’porque em hipótese de não acontecer um acordo e ocorra a judicialização do caso, ele ou ela podem vir a desempenhar o papel de promotor do caso em questão e logo terá que tomar o posicionamento de um dos lados. Sendo o processo demandista, onde há o lado A e o lado B, não é recomendado que o promotor seja facilitador dos círculos, pois na proposta da JR não existe o vencedor e o vencido, não é um contra o outro, mas, um com o outro’’, enfatiza a promotora.
Se o acordo for extrajudicial, ele é referendado pelo Ministério Público; se for judicial é o juiz quem homologa. A promotora explica que a justiça restaurativa é ‘’alternativa e complementar ao processo tradicional’’, sendo assim, em tese, na esfera criminal, as práticas restaurativas tratam da resolução dos conflitos e não da penalidade daquele crime; porém, nos casos já judicializados, quando ocorre a tal resolução do conflito e o juiz homologa o acordo, a pena referente ao determinado crime pode ou não ser alterada, dependendo da visão do juiz.
O diálogo restaurativo
A assistente social Jandira Miranda, uma das participantes do projeto Justiça em Círculo: Praticas restaurativas, explica que no gerenciamento de conflitos, depois de ouvir individualmente as partes envolvidas, é feita a proposta de um diálogo restaurativo (círculo) entre elas, conforme o interesse mútuo. No círculo são pontuadas a percepção de cada um sobre o conflito, como e porque aconteceu, e principalmente se eles poderiam ter evitado aquela situação, assumindo assim a responsabilidade pelo que ocorreu. Esse seria o primeiro passo da ‘’reparação’’ da relação entre as partes (conforme do possível, de caso em caso) e/ou a restauração do convívio social das pessoas envolvidas.
‘’Se você se depara com uma situação de conflito, o primeiro passo é conversar individualmente com essas pessoas para entender qual a percepção delas sobre o que ocorreu, as repercussões que isso trouxe para a vida delas, e o que que ela precisa que o outro (ou outros) façam para que ela se sinta melhor e supere aquela situação. Muitas pessoas que vivem em situação de conflito familiares, por exemplo, se afastam, mas não conseguem superar, então a consequência do é conflito refletir em suas outras relações, criando desconfiança e medo do outro. A pessoa perde assim a capacidade de acreditar numa relação com o outro de forma produtiva e satisfatórias’’, enfatiza Jandira Miranda
Em um diálogo restaurativo o ideal seria, segunda a assistente social, ‘’incentivar nas pessoas uma visão de futuro, pois quando acontece algo ruim em nossas vidas, ficamos presos no passado e naquela situação, só que não temos como alterar o passado, só temos como resolver o nosso presente e o nosso futuro. Então refletimos com as pessoas uma visão de um futuro de superação daquele conflito’’.
O projeto Justiça em Círculo: Praticas restaurativas vem com a proposta de intervenção em conflitos familiares, mas também de prevenção do agravo desses conflitos. Além dos conflitos já judicializados, equipe pretende trabalhar com conflitos familiares nas suas etapas iniciais para evitar judicialização e consequentemente maior estresse.

Curso de Capacitação
O Ministério Público do Pará (MPPA), que conta com o Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição do Ministério Público do Estado do Pará (Nupeia), já com experiências exitosas nas práticas restaurativas, realizou na última semana o ‘’Curso Básico de Justiça Restaurativa e práticas restaurativas no MP do Pará’’, destinado à capacitação para membros e servidores da instituição e pressionais de outros órgãos. O projeto Justiça em Círculo: Praticas restaurativas foi lançado ao final do curso de capacitação nesta sexta (4).
Uma das participantes do curso foi a professora Kátia Regina Passos, atuante na Escola Estadual 15 de Novembro e na Escola Estadual do Tenoné. Ela informa que em 2014, o governo do Estado, através da Secretaria de Educação, realizou uma extensa formação em diálogos restaurativos, porém, por conta de falta de logística a capacitação não foi difundida e ficou apenas restrita apenas a uma Unidade Seduc na Escola (Use).
‘’Os diálogos restaurativos são de extrema relevância para o contexto das escolas em Belém. A equipe da Promotoria de Icoaraci marca uma posição muito importante para nós (professores) porque nós precisamos dessa ferramenta. Lidamos diariamente com conflitos, e nas escolas públicas estatisticamente muitos alunos têm histórico de envolvimento em conflitos, de abandono, violência familiar e nós precisamos dessa ferramenta de diálogo para trabalharmos em grupo, porque não dá para lidar sozinho com uma turma de 35 alunos’’, afirma a professora.

Segundo Kátia Passos, dentre os conflitos mais recorrentes nas escolas, a intolerância por identidade de gênero e/ou orientação sexual é um dos pontos mais significativos. ‘’Os alunos que tem um comportamento que divergem dos padrões de gênero são alvos de muita discriminação nas escolas, muitas vezes não só por parte dos alunos como também dos professores. Então eu vejo que seria de bom proveito fazer a intervenção com as práticas restaurativas para promover a tolerância e respeito no ambiente escolar’’.
A estudante de serviço social Valéria Costa de Mendonça, que trabalha no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), também avalia como relevantes levar as práticas restaurativas para o ambiente de sua atuação profissional. ‘’Na experiência que estou tendo no Creas, há um volume consideravelmente alto de crianças em conflitos familiares, adolescentes praticando automutilações, tentativas de suicídio, conflitos com idosos; então vejo que para a resolução de conflitos as práticas restaurativas são de grande valia para entender o núcleo do problema e principalmente para restaurar os vínculos perdidos com conflitos interpessoais’’.
No Brasil, a metodologia de reconciliação entre vítimas e ofensores conhecida como "justiça restaurativa" não é amplamente difundida, no entanto, o cenário está mudando com as novas perspectivas de soluções de conflitos. A promotora de Justiça de Juizados Especiais Criminais, Bethânia Maria da Costa, avalia que as modalidades de autocomposição, como a justiça restaurativa, são o futuro da própria justiça. ‘’Só a iniciativa do MP de promover um curso que estimula a autocomposição já é plausível e a qualidade técnica foi além da expectativa, então eu espero que o MP continue a difundir pelo Estado esse tipo de iniciativa, porque o futuro da justiça são os métodos autocompositivos, a meu ver’’.
Texto e fotos: Renan Monteiro