MPPA abre capacitação para estimular adoção da justiça restaurativa

Quando no ano de 1974 dois jovens acusados de vandalismo contra propriedades da comunidade de Elmira, no Canadá, participaram de encontros mediados com as vítimas de seus atos, e em seguida foi estabelecido um acordo legal entre as partes, o Canadá se tornou o primeiro país a registrar uma experiência contemporânea com práticas restaurativas. No Brasil, a metodologia de reconciliação entre vítimas e ofensores conhecida como "justiça restaurativa" teve um caminho mais lento e atualmente não é amplamente difundida, cenário que está mudando com as novas perspectivas de soluções de conflitos.
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Nesse contexto, o Ministério Público do Pará (MPPA), que conta com o Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição do Ministério Público do Estado do Pará (Nupeia), já com experiências exitosas nas práticas restaurativas, iniciou essa semana o ‘’Curso Básico de Justiça Restaurativa e práticas restaurativas no MP do Pará’’, destinado à capacitação para membros e servidores da instituição e demais interessados. Todas as vagas do curso foram preechidas.
A 2ª promotora de Justiça Cível e de Defesa Comunitária e Cidadania de Icoaraci, Sinara Lopes Lima, é a responsável pela inciativa e junto com a assistente social da Promotoria de Justiça de Icoaraci, Jandira Miranda, ministram o curso iniciado na manhã de segunda-feira (30) e que se estende até a próxima sexta-feira (4), data em que lançado o Projeto Justiça em Círculo, também de iniciativa da Promotoria de Justiça Cível e de Defesa Comunitária e Cidadania de Icoaraci.

Baseada no princípio dos três ‘’Rs’’ (Responsabilização, Reintegração e Reparação), a justiça restaurativa é um paradigma para mediar e gerenciar situações de conflitos, disputas e até de violências através de valores e concepções próprias das práticas restaurativas. A metodologia surge como uma proposta de complemento à justiça punitiva, sistema vigente, para evitar que os conflitos sejam judicializados ou gerem disputas mais graves.
Aplicada em conflitos das esferas civil e criminal, as práticas restaurativas não tratam do crime em si e do mérito de sua pena, mas, em complemento, do conflito gerado pela infração, na busca pela reparação do dano, responsabilização das partes e reintegração social dos envolvidos.
Segundo a assistente social Jandira Miranda, ‘’a ênfase da justiça restaurativa é proporcionar para aquelas pessoas que estão envolvidas em alguma situação de litigio e disputa - ou que foram atingidas por alguma situação de violência - a possibilidade de escuta e de diálogo para uma possível reconciliação e/ou acordo resolutivo’’.
Difusão
Na abertura do curso, a promotora Sinara Lopes falou sobre o surgimento do curso: ‘’O Ministério Público brasileiro tem uma nova política institucional que está sendo implementada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em que é recomendado aos promotores a adoção de alternativas de soluções de conflitos e métodos autocompositivos. Assim, a justiça restaurativa vem exatamente ao encontro disso, que é uma metodologia de resolução de conflitos através de suas práticas. Então, o curso surge para que nós possamos capacitar servidores e membros para trabalhar com essa metodologia de resolução de conflitos’’.
Questionada sobre o porquê de a justiça restaurativa não ter amplitude no Brasil, a promotora de Justiça explicou que para utilização das práticas restaurativa há necessidade, primeiramente, de uma estrutura adequada nos Ministérios Públicos. ‘’Para implementar a metodologia é um processo lento. Além da estrutura, há necessidade de mão de obra capacitada; e tudo isso é custo. Em resumo, é uma justiça eficiente, mas o custo é alto para se implementar’’, pontuou.

O principal pilar da justiça restaurativa é o diálogo direto entre as partes envolvidas. Não existe justiça restaurativa sem a oitiva da vítima e do infrator. Jandira explica que sob a mediação de um terceiro qualificado nessa metodologia, são proporcionados encontros entre as partes com diálogos orientados e estruturados para que as pessoas envolvidas possam reconhecer ‘’o que, como, por que e o quanto aquele conflito atingiu as vidas delas, e por fim o que é preciso ser feito para superar (na medida do possível) o acontecimento e continuar o curso de vida delas’’.
A assistente social avalia que os conflitos são inerentes às relações sociais, mas, quando não são bem gerenciados, podem causar graves situações de violência e disputa, prejudicando ainda mais os envolvidos. Jandira defende que qualquer pessoa com capacitação na metodologia restaurativa pode utilizar das práticas para evitar o agravamento de um conflito em seu ambiente social. ‘’Pode ser um policial militar, uma psicóloga, um pedagogo, qualquer pessoa que tenha o interesse de trabalhar nesse contexto de conflito e tenha algumas habilidades de escuta e compreensão’’.
‘’Nas escolas, por exemplo, tem muitas situações de conflitos, que se não foram trabalhadas podem virar situações de violência, como infelizmente a gente ver nas estatísticas. Então, se você tiver na rotina das escolas um profissional capacitado nessa metodologia que possa estar observando as relações que se constroem nesse espaço e que possam usar as práticas restaurativas para preventivamente trabalhar essas questões, os conflitos não vão se desenvolver para algo mais grave’’, exemplifica a assistente social.
Busca por capacitação
A promotora Ângela Maria Balieiro, titular da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Belém, é uma das participantes do curso ‘’Curso Básico de Justiça Restaurativa e práticas restaurativas no MP do Pará’’. Trabalhando na área de socioeducação, Ângela Balieiro já desenvolve no âmbito da promotoria da infância e juventude o que seria um ‘’princípio da justiça restaurativa’’ com adolescentes infratores internados em Belém, que atualmente são em torno de 400, número que oscila com frequência.
‘’O trabalho desenvolvido na área da socioeducação (com uma equipe interdisciplinar) é no sentido de buscar que esses adolescentes reflitam sobre seus atos e assimilem os danos causados, assumindo a responsabilização de suas ações, sendo o arrependimento uma consequência do trabalho pela equipe e não o foco. Isso pode resultar na progressão ou não da sua internação, pois o juiz avalia se ele já tem condições de voltar para o convívio social’’, descreveu.
A participação da promotora se dá pela busca em desenvolver as práticas restaurativas no trabalho da socioeducação dos adolescentes. Atualmente, a equipe da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Belém trabalha apenas em um dos princípios restaurativos com jovens infratores, que seria o da ‘’responsabilização’’. Ainda não há, por exemplo, a oitiva da vítima. ‘’Os adolescentes internados precisam estar sendo submetidos à essa pratica restaurativa para que eles possam para o convívio social diferente do que ele entrou’’, comentou Ângela Balieiro.

Além da promotora Ângela Balieiro, o curso conta com a participação de Bethânia Maria da Costa, promotora de Justiça Criminal de Icoaraci, e de representantes de instituições do poder público, como Fasepa, Unidade de Saúde Municipal, Agência Distrital de Outeiro e Centro de Referência em Assistência Social de Outeiro.
Texto: Renan Monteiro, estagiário de Jornalismo
Assessoria de Comunicação MPPA