Justiça reconhece posse de comunidade quilombola Tiningu
A Vara Agrária de Santarém reconheceu a manutenção de posse em favor de 90 famílias que moram na comunidade quilombola do Tiningu, no município de Santarém, e proibiu o fechamento do sistema de água que passa em área ocupada por dois empresários. A decisão atendeu pedido em ação movida pela Associação de Remanescentes do Quilombo do Tiningu, na qual a Promotoria de Justiça Agrária manifestou-se e requereu ao Juízo os direitos da comunidade tradicional.
A decisão foi publicada no dia 17 de outubro pelo Juiz Manuel Carlos Maria de Jesus e o MPPA manifestou-se por meio da titular da Promotoria de Justiça Agrária de Santarém, Ione Missae Nakamura. O conflito já se arrasta por dois anos, e envolve os moradores do Quilombo Tiningu, representados pela associação, e os empresários Sílvio Tadeu dos Santos e Silvio Tadeu Coimbra dos Santos.
Na decisão o juiz ratificou medida liminar anterior, e proibiu os empresários de fechar o sistema de abastecimento de água da comunidade e julgou procedente o pedido de manutenção de posse em favor da Associação de Remanescentes do Quilombo do Tiningu. “Os requeridos não trouxeram lastro probatório mínimo para comprovarem seu direito, não havendo nos autos prova cabal para reconhecimento da existência da referida posse agrária”, diz a decisão.
Nas alegações finais do MPPA, foi relatado que a Ação inicial de Manutenção de Posse ajuizada pela Associação, tem como base o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Tiningu (Incra-SR 30/2015). A área em disputa é de uso e posse coletiva da Comunidade de Remanescentes de Quilombo do Tiningu, cujo marco inicial da posse é do século XIX. São 90 famílias que vivem da pesca, caça, criação de animais e extrativismo.
O Juízo da Vara Agrária de Santarém havia deferido parcialmente a liminar, determinando a proibição de que os empresários fechem o sistema de abastecimento de água, e da realização de qualquer ato de derrubada de árvores ou que cause devastação ambiental. O MPPA ressalta que a demanda tem como objeto área de terra pública da União, ocupada, de um lado, por um particular e, por outro, tradicionalmente pela Comunidade Remanescente de Quilombo Tiningu. A área está em processo de regularização fundiária.
Os empresários alegaram a condição de proprietários de um imóvel localizado em parte da área. Relatam que ocupam o local desde 1996, que usam como sítio recreativo e não retiram sua subsistência das atividades rurais. O imóvel não está registrado no nome do empresário, e sim do primeiro dono. “Trata-se de conflito em terra pública destinada ao reconhecimento de território quilombola”, ressalta o MPPA. Nesse caso, há prevalência do interesse público sobre o individual, vez que a União destinou a área para finalidade diversa da pretendida pelos réus.
Ao analisar o conjunto de provas, a promotoria concluiu pelo reconhecimento da ocupação tradicional dos associados na área da Comunidade Quilombola do Tiningu, com o exercício da posse agrária e cumprimento da função socioambiental do imóvel. Os associados alegam que em julho de 2018, os requeridos turbaram, ou seja, desordenaram e perturbaram a posse dos comunitários com a promoção de queimadas, utilização de agrotóxicos e construção de uma cerca que impediu o acesso de um dos moradores à sua área de cultivo tradicional. Foram feitas denúncias à polícia, MPF e Incra.
Além da questão ocupacional da terra, houve divergências acerca do acesso à água na comunidade. Um dos comunitários relatou que liberou a água de um microssistema que compartilhava com os empresários, para o posto de saúde e para outras famílias. O microssistema foi construído pelos próprios comunitários e já existia antes da chegada dos empresários. Porém, a tubulação passa pelo terreno dos requeridos, que impediram o acesso da comunidade.
O empresário alegou que melhorou o sistema, colocando caixa d’água há 20 anos, e deu autorização à Secretaria de Saúde para a construção do posto de saúde dentro de sua área. Que interromperam o fornecimento de água porque a expansão à comunidade estaria prejudicando sua plantação. Sobre o microssistema apurou-se que foi construído em uma parceria entre os moradores locais e que os requeridos, ao comprarem o lote, estavam cientes do acordo de compartilhamento de água com a comunidade.
O juiz destaca que o Código de Águas assegura o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de águas, para as primeiras necessidades da vida, se houver caminho público que a torne acessível. Caso não haja, os proprietários não podem impedir o acesso a quem necessita. “As informações colhidas nos autos demonstram a necessidade dos associados da requerente terem acesso ao microssistema de água que passa área ocupada pelos requeridos para abastecer o posto de saúde da comunidade e as residências das famílias que o circundam”, diz. E considera a inexistência de estrutura pública que viabilize o acesso à água e que os comunitários não podem valer-se de outro local, sem grande incômodo ou dificuldade.
Texto: Ascom