ATENDIMENTO AO CIDADÃO

Substituir ação judicial por acordo faz bem à sociedade, avaliam promotores

Práticas de justiça penal negociada e celebração de acordos de não persecução penal foram temas de simpósio jurídico
Belém 16/03/19 02:36

Imagine um motorista flagrado e preso por estar dirigindo sob o efeito de álcool. Ele pode ser denunciado pelo Ministério Público pela prática do crime de embriaguez ao volante e responder na Justiça pela conduta. Processos judiciais envolvendo casos semelhantes demoram, em média, de três a cinco anos para serem finalizados, período no qual o motorista estaria em liberdade e sem cumprir punição proporcional. Mas poderia ser diferente. Ao invés de apresentar a denúncia e iniciar o processo judicial, o Ministério Público celebra um acordo com este investigado para que ele pague uma multa a ser revertida a uma entidade social e realize serviços comunitários. Agora imagine que tudo se resolveria em questões de poucos meses.

Esta solução consensual, que já é praticada no Brasil e se chama acordo de não persecução penal (ANPP), foi o principal tema discutido durante o simpósio jurídico “Justiça penal negociada”, realizado nesta sexta-feira (15), em Belém, pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA). Quase 200 pessoas, entre procuradores e promotores de Justiça, juízes, advogados, servidores públicos e estudantes, encheram o auditório Nathanael Farias Leitão, localizado no edifício-sede do MPPA. O evento foi idealizado pelo Centro de Apoio Operacional Criminal (CAOCrim) e organizado em parceria com o Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) do MPPA.

Veja aqui a galeria de fotos do evento

Promotor de Justiça Rogério Sanches: o acordo de não persecução representa o triunfo da justiça
Promotor de Justiça Rogério Sanches: o acordo de não persecução representa o triunfo da justiça
Foto: Alexandre Pacheco

A palestra de abertura foi proferida por Rogério Sanches, promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, professor e autor de vários livros jurídicos. Ele abordou o ANPP no contexto do sistema processual penal brasileiro e fez uma distinção com o plea bargain, que também é uma modalidade de negociação na qual o acusado pode confessar o crime em troca de não se submeter ao processo judicial. 

O plea bargain (que em inglês significa “negociação de perdão”, numa tradução literal) é uma prática usual nos Estados Unidos e consta no Projeto de Lei Anticrime, elaborado no início de 2019 pelo Ministério da Justiça, que objetiva estabelecer medidas contra a corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com grave violência à pessoa. Já a persecução penal é a soma de atividade investigatória e da ação penal promovida pelo Ministério Público. 

Rogério Sanches explicou que o acordo de não persecução penal acontece na esfera extrajudicial e pressupõe que o investigado confesse formalmente ao Ministério Público, na presença do seu advogado ou defensor público, a prática da infração penal em que não haja violência ou grave ameaça à pessoa. “No ANPP não se negocia a pena. No plea bargain, há a aplicação de sanção penal”, explicou.

Auditório do MPPA ficou cheio durante o simpósio jurídico
Auditório do MPPA ficou cheio durante o simpósio jurídico
Foto: Alexandre Pacheco

“Caso o Ministério Público celebre o acordo com o investigado e o acordo seja cumprido, a investigação será arquivada, evitando que se inicie um processo judicial que vá congestionar ainda mais o Judiciário brasileiro. Esta solução consensual representa o triunfo da justiça penal”, detalhou o promotor Rogério Sanches. Ele ressaltou que embora o Ministério Público possa celebrar os acordos, estes precisam ser homologados pelo Judiciário. 

O promotor Rogério Sanches explicou aspectos das resoluções 181/2017 e 183/2018, editadas pelo Conselho Nacional do Ministério Público para normatizar os procedimentos investigatórios criminais a cargo do Ministério Público e que introduziu o ANPP como instrumento para diminuir os processos judiciais e o litígio. Ele também citou várias experiências de propostas de acordos formuladas pelo Ministério Público em São Paulo. 

“Quando está diante de uma situação de prática de um crime, o Ministério Público tem que dar uma resposta eficiente. Mas qual resposta? Pode ser a transação penal, pode ser o oferecimento da denúncia ou o oferecimento do acordo de não persecução penal. São várias formas que o MP tem de agir. E o acordo é uma delas”, reforçou Rogério Sanches. O promotor interagiu com a plateia e explicou os pré-requisitos, condições e desafios para a celebração do ANPP.

Promotora de Justiça Juliana Félix, de Porto de Moz, participa do debate
Promotora de Justiça Juliana Félix, de Porto de Moz, participa do debate
Foto: Mateus Cândido

A palestra de Rogério Sanches foi mediada pelos promotores de Justiça do MPPA José Maria Lima Júnior, supervisor dos Centros de Apoio Operacional e coordenador do CAOCrim do órgão; e por Mauro Messias, Daniel Bona e Paloma Sakalem, todos lotados na Promotoria de Justiça de Altamira. 

Experiência exitosa em Altamira

Na sequência, o promotor Mauro Messias, que atua em uma promotoria criminal de Altamira, palestrou sobre a experiência exitosa do MPPA no município em relação à utilização do ANPP. Desde julho de 2018, a instituição celebrou 42 acordos de não persecução penal somente naquela cidade. 

A Promotoria de Justiça de Altamira é, por enquanto, a única a ter celebrado acordos de não persecução penal no Pará. Mauro Messias apresentou alguns resultados desta prática. Ele citou, por exemplo, que ao celebrar o ANPP, pessoas investigadas tiveram de pagar prestações pecuniárias e então encaminhar o dinheiro para entidades com fins sociais.

Promotor de Justiça Mauro Messias palestra no evento: experiência exitosa em Altamira
Promotor de Justiça Mauro Messias palestra no evento: experiência exitosa em Altamira
Foto: Alexandre Pacheco

“A Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) recebeu mais de R$ 35 mil e o Centro de Recuperação de Drogaditos Resgatando Vidas recebeu mais de R$ 24 mil”, ilustrou Mauro Messias. “Também tivemos mais de duas mil horas de serviços prestados à comunidade pelas pessoas que celebraram o acordo. Um agente policial celebrou o acordo com o MP e, entre as condições acordadas, realizou várias palestras em escolas e centros comunitários”, completou o promotor.

Antes de celebrar os acordos em Altamira, o MPPA promoveu eventos envolvendo, sobretudo, juízes e advogados para discutir e prestar esclarecimentos sobre o ANPP. O alinhamento contribuiu para que, até o momento, todos os acordos propostos pela promotoria tenham sido homologados pelo Judiciário local. “Não queremos ocupar o Judiciário com casos menores, de embriaguez ao volante. Devemos contribuir para a cultura do consenso”, comentou o promotor Mauro Messias. 

Como vários promotores de Justiça estavam presentes ao auditório, Mauro Messias apresentou um passo-a-passo para a celebração de acordos de não persecução penal. Ele detalhou desde a primeira fase, de triagem de inquéritos policiais, até a fase final, de arquivamento do acordo. 

“Já estamos trabalhando com o CAOCrim em uma minuta de acordo para servir como base para os promotores de Justiça”, anunciou Mauro Messias. A prática da justiça consensual em Altamira já rendeu reconhecimentos à Promotoria de Justiça local. 

Novidades legislativas

Pela parte da tarde, o foco foi em debates sobre as recentes alterações no código penal e no código de processo penal, especialmente em leis que tratam sobre a prisão da mulher gestante (lei nº 13.769/2018), feminicídio (lei nº 13.771/2018) e crimes de registro não autorizado de cena de nudez ou ato de libidinagem de caráter íntimo (lei nº 13.772/2018). Os promotores de Justiça Paula Suely Camacho, que atua em Salvaterra, e Alexandre Manuel Lopes, lotado em Belém, foram os mediadores da discussão. 

Apoio institucional

O evento contou com a presença, em tempo integral, da procuradora-geral de Justiça em exercício, Cândida Nascimento, e do promotor de Justiça Rodier Barata, diretor-geral do Ceaf. Ambos destacaram a importância do simpósio para a atualização de conhecimentos dos membros do MPPA. 

Já o promotor de Justiça José Maria Lima Júnior, idealizador do evento, disse que a Procuradoria-geral de Justiça vai expedir um ato administrativo para estimular os promotores de Justiça a adotarem o ANPP. “O CAOCrim está preparando um material de apoio operacional aos promotores para ajuda-los a aplicar esse método. Também já estamos realizando articulações interinstitucionais para facilitar a resolutividade das ações do Ministério Público”, comentou.

José Maria Lima, Cândida Nascimento e Rodier Barata: apoio institucional ao ANPP
José Maria Lima, Cândida Nascimento e Rodier Barata: apoio institucional ao ANPP
Foto: Alexandre Pacheco

 

Texto: Fernando Alves
Assessoria de Comunicação Social

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