ATENDIMENTO AO CIDADÃO

MPPA defende e Judiciário acolhe tese de aplicação da Presunção da Paternidade à União Estável

Belém 30/05/23 11:43

O Juízo da 4ª Vara de Família da Capital, em decisão inédita proferida no mês de maio, acolheu a tese do Ministério Público do Estado do Pará de interpretação sistemática do artigo 1.597, II do Código Civil e aplicação deste às relações de união estável, esta declarada de forma incidental em Ação de Investigação de Paternidade post mortem.

O referido artigo 1.597 trata da presunção da paternidade dos filhos concebidos na constância do casamento e nascido nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal pela morte, separação judicial, nulidade e anulação de casamento.

Esse direito já constava no texto do Código Civil de 1916, em seu artigo 338, II e foi devidamente mantido no texto do Código Civil de 2002, com o objetivo de proteção a família constituída pelo casamento. Contudo, o legislador manteve a redação do texto legislativo para garantir a presunção da paternidade apenas aos filhos oriundos do casamento, não atualizando a redação do artigo para estender o referido comando aos filhos concebidos na constância da união estável, em total afronta ao princípio da isonomia. Desde 1988, a Constituição Federal já havia regulamentado a proteção da união estável pelo Estado preconizando o tratamento igual às relações oriundas do casamento.

E, em instrução ao procedimento administrativo, instaurado perante a 7ª Promotoria de Justiça de Família, para averiguar oficiosamente a paternidade post mortem da criança A.S.R.B., o Ministério Público reuniu provas da existência da união estável entre a materna e o falecido suposto pai do infante, tendo a Promotora de Justiça,  Maria de Nazaré Abbade Pereira desenvolvido a tese do reconhecimento incidental da união estável para fundamentar a presunção da paternidade no caso concreto, aplicando por interpretação sistemática o artigo 1.597, II do Código Civil e, assim, garantir o direito de paternidade a criança que não pode ser registrada por seu pai em razão de seu falecimento.

“O entendimento é de que o artigo 1.596 do Código Civil é o comando de todo o capítulo II, o qual se trata do Direito de Filiação nas relações de parentesco. Nele, se reproduz o tratamento isonômico dado pela Constituição Federal no artigo 227, § 6º de que os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Daí porque o tratamento isonômico
deve ser o vetor interpretativo de todas as demais normas subsequentes, inclusive o artigo 1.597 subsequente de que trata da presunção da paternidade”, explicou a Dra. Nazaré Abbade.

A tese também teve como fundamento o REsp 1.194.059/SP, julgado em 2012, de relatoria do Ministro Massami Uyeda em que conferiu interpretação sistemática ao artigo 1.597, II ao Código Civil para contemplar também a presunção da paternidade aos filhos concebidos na constância da união estável. Também se fundamentou em entendimento da Procuradora de Justiça do Estado do Paraná, a Dra. Terezinha de Jesus Souza Signorini, que defendeu em artigo publicado em revista daquele Ministério Público a aplicação do artigo 1.597, II, a saber, a presunção da
paternidade às relações de união estável, em homenagem ao princípio da isonomia.

O ineditismo ficou por conta do pedido incidental da declaração de união estável em Ação de Investigação de Paternidade post mortem, já que, em observância a teoria da proteção integral, regulamentada pelo ECA, a união estável deveria estar devidamente declarada para garantir ao infante A.S.R.B. o direito de registro da paternidade do companheiro de sua mãe, com o qual havia constituído família, com base na presunção. Vale destacar que o infante não foi registrado por seu pai dado o infortúnio do óbito ocorrido antes de seu nascimento. Porém, em razão do parto ter ocorrido dentro dos trezentos dias subsequentes à dissolução da união estável pela morte, torna-se indiscutível que a criança estaria na esfera da proteção legal e, portanto, presumida a sua paternidade pelo companheiro de sua mãe.  É assim com o casamento e, portanto, assim também deve ser tratada a união estável.

Assim, o d. juízo da 4ª Vara de Família, na pessoa da Dra. Betânia de Figueiredo Pessoa, assim concluiu:

Isto posto, E COM FULCRO NOS arts. 1.723 e 1.597, II ambos do Código Civil 
c/c art. 19, inciso I, e art. 487, inciso I, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO
 INICIAL para RECONHECER incidentalmente a união estável entre o falecido
XXXXXXXXX e a genitora do menor envolvido, XXXXXXXXXX, a fim de que esta
 declaração revista a paternidade em face de XXXXXXXXX, devendo esta ser 
declarada com base nessa presunção com a averbação do nome do falecido
XXXXXXXXXXXXXX na condição de pai do mesmo, passando-se a criança a 
chamar XXXXXXXXXXXX, bem como que sejam os requeridos registrados
 como avós paternos, XXXXXXXXXXX, tudo de acordo com o princípio da
dignidade humana, o qual reveste os direitos de personalidade e o direito 
fundamental à paternidade e assim JULGO EXTINTO O
PRESENTE FEITO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.

 

Como se vê, a tese do Ministério Público de requerer incidental o reconhecimento da união estável, garantiu ao infante o seu direito a paternidade e todos os demais decorrentes como o direito ao nome, típico do direito de personalidade que concretiza a dignidade humana, afastando a discriminação entre os filhos ainda existente na legislação infraconstitucional, o que provoca cometimento de injustiça.


PS. A identidade das partes e o numero do processo foi preservado em razão do processo estar sob o segredo de justiça.

 

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